A conquista de Manhattan: o restaurante do Grupo Fasano em Nova York
Um ano depois de inaugurar um hotel na metrópole americana, um projeto cultivado há décadas ganha vida
Parecia coisa do destino. Há quase trinta anos, Rogério Fasano participou de uma concorrência para assumir um estabelecimento na Rua 65, em Nova York. A ideia era montar o primeiro restaurante da família, conhecida por seus bares, hotéis e casas de alta gastronomia italiana em São Paulo, Rio de Janeiro e Punta del Este, na ilha de Manhattan. No fim, o chef francês Daniel Boulud venceu a disputa e montou o Le Cirque, que funcionou no local até o primeiro dia de 2018. Outras oportunidades surgiram, mas algo sempre impedia o empresário de realizar o sonho.
Pouco mais de um ano atrás, no entanto, Gero — como gosta de ser chamado — pôs o primeiro pé na metrópole americana, ao abrir o hotel Fasano Fifth Avenue na Quinta Avenida, um residencial de luxo entre as ruas 62 e 63. E em fevereiro, finalmente, fincou de vez sua bandeira na cidade, ao inaugurar um restaurante, o Fasano Nova York, na Park Avenue com a Rua 49, em Midtown.
É endereço com história. No cruzamento, bem próximo ao Central Park, funcionou até 2019 a segunda encarnação do Four Seasons Restaurant (que, ressalve-se, nada tem a ver com a rede canadense de hotéis e resorts). O badalado restaurante teve seu período áureo no Edifício Seagram, projeto emblemático de Mies van der Rohe em Manhattan, onde permaneceu de 1959 até 2016. A ideia era ressuscitar a atmosfera do antigo estabelecimento, mas o plano fracassou depois de um ano. O proprietário do ponto comercial, o investidor imobiliário americano Steven Roth, que não é de jogar a toalha, cismou que precisaria fazer funcionar o imenso espaço, mas não com os figurões de sempre. E então ele chegou a Fasano, por indicação do arquiteto brasileiro Isay Weinfeld, que assinara o projeto do Four Seasons.
Roth foi levado com pompa e circunstância ao encontro de Fasano em São Paulo. A passagem do empresário pela capital paulista foi intensa, com direito a almoço duplo, no Trattoria e no Parigi, além de um jantar no Gero — todos endereços badalados da família. Para arrematar, houve uma saideira gastronômica no Hotel Fasano, na nobilíssima região dos Jardins. Logo depois de um tajarin al tartufo bianco, Roth puxou o anfitrião de lado para uma conversa reservada: “Senhor Fasano, considere o negócio fechado”. Acostumado ao sucesso, e apesar de já ter em seu rol o hotel de Nova York, Fasano lembra com entusiasmo daquela conversa. “Senti a mesma emoção de quando abri o meu primeiro restaurante no Brasil”, disse em entrevista a VEJA.
O primeiro passo, por respeito e intuição, foi convidar o cupido do casamento, Isay Weinfeld, a quem foi pedida uma reformulação de seu próprio trabalho. O projeto do Four Seasons era, na avaliação do novo proprietário, “muito elegante”, mas não combinava com o estilo sóbrio e caloroso dos outros negócios da família. “Não tinha a minha cara”, diz Fasano. Era necessário fazer modificações para acomodar a Osteria, uma sala de jantar e, no 2º piso, um ambiente privativo para até 26 convidados. Weinfeld realocou o bar da entrada para dar espaço às mesas em tom a um só tempo intimista e espaçoso. “De resto, o trabalho foi transformar o antigo Four Seasons em um Fasano, ajustando sua atmosfera”, resume Weinfeld, habituado a releituras de seu trabalho como um pintor que refaz as camadas, infinitamente, se for o caso, até chegar ao ponto ideal.
E a cozinha? A missão coube ao chef italiano Nicola Fedeli, que havia tocado os fogões do Fasano Al Mare, no Rio de Janeiro, de 2018 a 2020, antes de o restaurante ser transferido para o hotel do grupo na cidade, em Ipanema. Juntos, eles testaram receitas, resgataram pratos e montaram um cardápio que remete ao paladar tradicional do norte da Itália. É uma resposta à culinária dominante de Manhattan, de imigração italiana predominantemente sulista, cuja marca está nos molhos carregados de alho, muito picantes e ocasionalmente agridoces. Entre as estrelas do menu estão o ossobuco alla menighina con risotto alla milanese, o tortelli di vitello con fonduta di parmigiano reggiano e o clássico bolito misto. “É uma volta às raízes da cozinha italiana, e isso me deixa muito feliz”, diz Fedeli. A carta de vinhos tem a assinatura do sommelier Manoel Beato.
Foram quatro anos de lida, atravessados por uma pandemia e por dois transplantes de fígado de Fasano, para que o restaurante em Nova York estivesse pronto a ser inaugurado. O empresário diz ter investido cerca de 10% do que seus antecessores puseram no Four Seasons, em torno de 4 milhões de dólares. A espera, na avaliação de todos os envolvidos, valeu a pena. Os sinais estão nas resenhas dos jornais — deu no New York Times! — e outros veículos especializados, que celebram o novo ponto gastronômico como uma das novidades mais quentes da cidade. E mais acessíveis, também, já que a média de gastos por pessoa fica entre 100 e 120 dólares no almoço, e 150 dólares no jantar, preços convidativos se comparados a locais de qualidade semelhante. Com bom preço, ambiente inigualável e comida de primeiríssima, é natural que chamasse a atenção.
O Fasano Nova York já conquista espaço e atrai famosos, ao modo mais eficiente, o da recomendação boca a boca. Segue, portanto, o ritmo de Manhattan, lugar afeito a esse tipo de fenômeno, a cidade que nunca dorme, como na canção eternizada por Frank Sinatra. Lembre-se de casas como o Studio 54 e o Régine’s, nos anos 1970 e 1980, onde as pessoas iam para ver e ser vistas. O Fasano vai na mesma toada, embora de maneira mais silenciosa e elegante, sem neon e estardalhaço. Estiveram em suas mesas, recentemente, o ex-presidente americano Bill Clinton, levado à casa pelo publicitário Nizan Guanaes; o ex-secretário de Estado Henry Kissinger, que aos 98 anos ainda mantém análises muito precisas sobre geopolítica; e o cineasta Woody Allen. Todos, segundo a direção da casa, escolheram pratos simples, o ossobuco ou uma milanesa, que lembram as receitas da mamma. Magnânimos, não refugaram as clássicas fotografias para mostrar que lá estiveram. Mas houve ao menos um caso de figurão que pediu para ser tirado de cena, sem maiores explicações — e cujo desejo, é claro, foi tratado como ordem.
O trabalho ainda não terminou. O Fasano Nova York deve inaugurar, em setembro, o Baretto, bar de clima intimista para música ao vivo no 2º andar. “Nós rearranjamos lá o mobiliário que havíamos desenhado para o Four Seasons”, explica o arquiteto Isay Weinfeld. A curadoria musical ficará a cargo de James Gavin, jornalista especializado em jazz e música popular, autor do premiado Intimate Nights: The Golden Age of New York Cabaret. “É uma nova proposta, diferente das casas noturnas que frequentávamos nos anos 1980 e 1990”, diz Fasano. Ao marcar terreno em Nova York, o empresário abre uma porta que nem todos conseguem empurrar. Não é simples vencer na mais cosmopolita das metrópoles, simultaneamente generosa mas implacável com quem vem de fora, especialmente na gastronomia. Com o bom e velho Fasano, Manhattan ganha tempero extra.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791