Os lugares onde a festa olímpica virou farra
De performances espetaculares à sede por consumo, a rota que fervilhou em Paris
Arena de Bercy
Para começar a conversa, foi o palco da ginástica artística e do belo duelo travado entre Simone Biles e Rebeca Andrade, puxando a régua do espetáculo para cima. Saiu um show e entrou outro, dado pela seleção de basquete americana, estrelando LeBron James, Stephen Curry e outros que, segundo palavras da própria Rebeca, habitam o rol dos “extraterrestres”. Não teve dia em que a arena não encheu de gente com disposição para formar torcida barulhenta e polarizada, rachada por bandeiras de cá e de lá, mas sem abandonar o fair play. Foi justamente naquele tablado que Rebeca, já com sua inesperada medalha dourada reluzindo no peito, foi reverenciada por Simone, a grande, num daqueles momentos que ficam congelados no tempo.
Place de La Concorde
A praça onde está fincado o obelisco de Luxor, o mais antigo monumento da cidade, abrigou modalidades postas na grade olímpica para dar uma renovada nos Jogos. Deu certo. A turma que apareceu por lá se deixou embalar pelo breaking, mesmo boiando em relação às regras, e reconhecia os ases das pistas de skate, Rayssa Leal entre eles, e do BMX freestyle, o ciclismo movido a manobras radicais que deixam o espectador até meio zonzo. As arenas ferveram (às vezes literalmente, sob sol inclemente), mas também o entorno delas era uma festa só, fazendo a Concorde sacudir ao som de um improvável rap, trilha sonora nunca antes tocada na história daquela praça, lotada de gente que aproveitou para dar uma refrescada nos chuveiros instalados a lado a lado com as fontes do século XIX. O cartão-postal, onde a guilhotina trabalhou a toda nos tempos da Revolução e que tanto já testemunhou da saga francesa, agora será também lembrado pelo fugaz momento em que as pessoas ali requebraram muito.
Pira olímpica
Ela foi em tudo diferente – a começar pelo intrigante fato do fogo que a ilumina não ser…fogo. A chama de mentirinha é uma ilusão produzida à base de luz e vapor d’água, tudo para evitar a famigerada combustão. Isso em nada arrefeceu a curiosidade de gente que faz fila, e daquelas, para examinar de perto a pira instalada dentro de um super balão. E dá-lhe selfies para eternizar a imagem que logo deixará um vazio no Jardim de Tuileries, um ponto pinçado a dedo por razões históricas: foi justamente ali que os irmãos Montgolfier cravaram um pioneirismo ao fazer alçar voo o primeiro balão tripulado, no século XVIII. À noite, o objeto que ganha ares de Lua se solta e é acompanhado com os olhos por uma multidão. Há uma turma que não vê a hora da volta ao velho normal, sem uma mega bola no meio do caminho, mas outros se afeiçoaram a ela e gostariam que seu destino fosse o mesmo da Torre Eiffel: feita para ser provisória, nunca mais deixou Paris.
Parque do Campeões
Sabe aquele programa bom e barato que ainda tem como moldura ninguém menos que a Torre Eiffel? Esse é o caso do conjunto de arquibancadas armadas no Trocadero, onde, ao contrário das ultra inflacionadas arenas, não custa nada para entrar. E eis que de repente aparece por lá um medalhista para entreter e se misturar ao povo. Uma jogada para aproximar atleta e público que rendeu grande frenesi, como no dia em que o nadador multi-pódios León Marchand deu a graça e virou modelo de selfies, sem se esquivar de eternizar a assinatura em camisetas de fãs. E dá-lhe gritos de “Lé-on, Lé-on” e, por que não?, a Marseillaise, o hino francês que andou tocando na caixa. Telões e DJs esticam a festa neste raro endereço a salvo dos preços olímpicos.
Megastore do Champs Élysées
No começo, era difícil de acreditar: uma fila quilométrica, com espera estimada em mais de uma hora, se forma todos os dias em frente à megaloja de produtos oficiais dos Jogos montada na turística banda do Champs Élysées. Era perguntar para os que persistam em linha reta por que não desistiam da castigada demora para ouvir: “Preciso levar uma lembrança para casa, não tem jeito.” Nos 1 000 metros quadrados lá dentro, encontra-se de tudo a valores inflados, ainda mais se convertidos. Rolhas olímpicas a 60 reais e canecas a 90 integram a prateleira mais em conta, mas o que tem maior saída é o Phryge, o mascote que toma a forma do gorro usado na Revolução Francesa. A versão tamanho família custa 800 euros (4 800 reais), e vai saber como o povo leva no avião. O que será que os revoltosos que puseram a Bastilha abaixo diriam de tudo isso?