Opinião: Rivaldo, Ronaldo e o pecado dos saudosistas
Zidane era gênio como Messi; Bergkamp craque como Iniesta; Figo superestimado como Di María... a discussão sobre a Bola de Ouro é tola
“Na minha época…” é uma expressão que tende a ser sempre acompanhada de algo positivo, e que remete mais a alegrias do que propriamente uma simples comparação de valor – um Fusca ano 75 jamais será um carro melhor que um da atualidade, mas certamente pode ter dado muitos bons momentos a seu dono. Os saudosistas estão por toda parte e entre os esportistas de sucesso a visão do passado parece ficar ainda mais distorcida. Rivaldo e Ronaldo, dois dos maiores craques que o futebol já produziu, foram os últimos a cair em tentação ao comentar a supremacia de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo na Bola de Ouro.
O debate ganhou força no fim do ano passado quando Rivaldo, eleito o melhor jogador do mundo em 1999, disse durante evento na Espanha que, se atuasse hoje, brigaria pela Bola de Ouro com Messi e Cristiano, que venceram cinco vezes cada. O ex-jogador pernambucano tem razão. Ele poderia vencer os dois gênios da atualidade, como superou Ronaldo, Zinedine Zidane e outros em seu auge. Seu pecado veio na sequência do comentário: “Havia mais jogadores de qualidade na minha época.” A declaração causou debate e em suas redes sociais ele citou mais de 40 nomes de seus “concorrentes”, de gênios como Romário a jogadores de nível bem inferior, como Andy Cole e Mauro Silva.
Nesta quinta-feira, Ronaldo, melhor do mundo em 1996, 1997 e 2002, entrou na discussão e também pisou na bola. “Na minha geração, a competição era muito maior (…) Tínhamos Zidane, Rivaldo, Figo, eu e depois o Ronaldinho. Ser o melhor era muito mais difícil”, afirmou o eterno camisa 9, ao diário alemão Bild. Os dois heróis do penta em 2002 ignoram completamente o fato de atletas bem menos virtuosos terem disputado e até conquistado a Bola de Ouro entre as décadas de 90 e 2000.
George Weah, presidente eleito da Libéria, foi o melhor do mundo em 1995, por exemplo. No ano seguinte, Ronaldo venceu, aos 20 anos, superando Weah e o inglês Alan Shearer. Rivaldo venceu em 99, à frente de David Beckham e Gabriel Batistuta. Em 2001, Luis Figo levou o troféu, com Beckham em segundo e Raúl Gonzáles em terceiro.
Foram todos grandes jogadores, não há dúvidas. Tão bons quanto vários da atualidade: Arjen Robben, Andrés Iniesta, Frank Ribéry, Luis Suárez, Eden Hazard, Luka Modric, Antoine Griezmann e… Neymar. O craque brasileiro do Paris Saint-Germain teve como melhor resultado o terceiro lugar, duas vezes. Por incompetência? Não, simplesmente porque Messi e Cristiano estavam à sua frente.
A disparidade está nos clubes
Ronaldo e Zidane também eram superiores aos concorrentes em suas épocas, mas não conseguiram supremacia tão grande por diversos fatores: lesões, certo desleixo às vésperas da aposentadoria e, sobretudo, pelo maior equilíbrio entre as equipes. Ronaldo jamais venceu a Liga dos Campeões. Nem sequer a liga italiana. Zidane ganhou uma Champions como atleta (e duas como treinador, logo em seus primeiros anos de carreira – veja só, no Real Madrid).
É aí que reside a disparidade da atualidade: Messi e Cristiano sobram, porque Barcelona e Real Madrid também sobram. Há dez anos, os dois estão sempre muito bem acompanhados. Sem um Xavi ou um Iniesta, Messi não consegue brilhar na seleção argentina. Como Cristiano sofre na portuguesa. Mas, anualmente, a seleção ideal da Fifa é praticamente um combinado entre Barça e Madrid.
Na época de Rivaldo, os dois maiores da Espanha estavam no nível de Juventus, Bayern, Milan, Borussia Dortmund, Manchester United, Arsenal… times como Valencia, Parma, Lazio, La Coruña e Fiorentina poderiam vencer os gigantes ocasionalmente. Os que hoje desfrutam de uma realidade milionária e tentam bater de frente – PSG, Chelsea e City – eram times inexpressivos na época. Como ainda é o Tottenham, do furacão Harry Kane, que conseguiu o feito histórico de marcar mais gols que Cristiano e Messi em 2017, mas muito dificilmente estará entre os finalistas da Bola de Ouro.