O que explica o domínio de Flamengo e Palmeiras no futebol brasileiro
Os clubes mais ricos do país sobram nos gramados e impõem uma nova ordem que contraria a história de equilíbrio daqui
Boa parte do charme do futebol brasileiro residiu, historicamente, em sua diversidade. O clube dos grandes se acostumou a ter pelo menos doze membros (quatro paulistas, quatro cariocas, dois mineiros e dois gaúchos) e mais alguém pedindo passagem. Em 2021, contudo, exatamente como nas últimas cinco temporadas, dois clubes dominam com folga os gramados. Finalistas da Libertadores, o torneio mais relevante da América do Sul, Flamengo e Palmeiras repetem no Brasil um modelo consagrado na Espanha. Por lá, dois times, Barcelona e Real Madrid, se acostumaram a dividir os troféus — ainda que a última Liga tenha ficado com o Atlético de Madri.
Flamengo e Palmeiras colhem os frutos da nova era financeira que marca o futebol moderno. Por razões diferentes, ambos destacam-se pelo equilíbrio nas contas e pela capacidade de fazer investimentos que, ano após ano, deixam os adversários para trás. “Passamos por uma série de percalços quando a prioridade era reduzir as dívidas”, diz Gustavo Oliveira, vice-presidente de marketing do Flamengo, lembrando que a reestruturação começou em 2013. “Quando foi possível, fizemos investimentos altos que foram certeiros.”
No Palmeiras, o renascimento começou em 2015, com impulso crucial da Crefisa, patrocinadora cuja dona, Leila Pereira, deve assumir a presidência do clube em 2022. “O investimento do patrocinador master é um diferencial competitivo sem nenhuma dúvida”, reconhece o presidente Mauricio Galiotte. No Flamengo, as verbas da Globo, provenientes dos direitos de transmissão, foram fundamentais na construção dessa vantagem. Ressalte-se que, nos dois casos, as boas gestões também fizeram a diferença. “O problema não é a evolução de Flamengo e Palmeiras, mas o fato de outros grandes não terem acompanhado esse caminho”, diz Cesar Grafietti, consultor do Itaú BBA.
A dupla certamente não é vilã, mas hegemonias são ruins para o esporte. Na Alemanha, as disputas se tornaram enfadonhas desde que o Bayern de Munique enfileirou títulos — o time levantou as últimas nove taças nacionais. Não à toa, o torneio não tem a mesma visibilidade do Campeonato Inglês, muito mais equilibrado e, por isso mesmo, mais valorizado mundo afora. No Brasil, a criação de uma liga, que já vem sendo discutida, poderia ser uma saída. “O desafio é criar um produto sustentável e mecanismos de controle para que todos possam ter as contas em dia”, completa Grafietti.
A influência financeira na nova ordem do futebol é notada em todo o continente. Pela primeira vez, quatro clubes de um mesmo país definirão as duas competições da Conmebol — Athletico Paranaense e Red Bull Bragantino decidem a Copa Sul-Americana. Com isso, o Brasil poderá ter até nove times na fase de grupos da Libertadores do ano que vem, uma verdadeira aberração. O domínio brasileiro já incomoda argentinos, mas deve perdurar.
Por aqui, o Atlético Mineiro é quem mais tenta encarar de igual para igual, como o seu xará de Madri tem conseguido fazer na Espanha. O time foi turbinado pelos aportes de Rubens Menin, fundador da construtora MRV, que compra jogadores e até constrói um estádio para o clube. Na Libertadores, o Atlético decepcionou — foi derrotado pelo Palmeiras na semifinal —, mas há ótima chance de conquistar o Brasileirão após cinco décadas. O pior exemplo vem do rival Cruzeiro, que inflou seu elenco com contratações irresponsáveis e viu a conta chegar após o time frequentar as páginas policiais, com seguidos escândalos de corrupção dos cartolas. A equipe celeste deve se manter pelo terceiro ano seguido longe da elite (está no meio da tabela na Série B), um duro castigo após anos de má gestão. Botafogo e Vasco também estão na Segundona. Sem um trabalho muito competente de marketing e apostas com alto risco de investimento, será difícil nos próximos anos romper o domínio da dupla Palmeiras e Flamengo.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759