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O dia em que Messi virou Maradona – e então caiu no gosto dos argentinos

Houve um momento mágico, desses que mudam a história, na Copa América de 2019

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 nov 2022, 16h23 - Publicado em 21 nov 2022, 16h22

DOHA – Por uma fresta da janela do quarto do meu hotel na principal artéria do Souk Waqif, o multicolorido mercado de Doha, homenagem permanente aos cinco sentidos, ouço uma barulheira carnavalesca. A tramela parece emperrada – deve ter sido aberta pela última vez no Califado Omíada, lá pelos idos do século VIII. Mas consegui empurrá-la, e o que vejo e escuto, de posição privilegiada, é impressionante. Um grupo imenso de argentinos, com instrumentos de percussão e bandeiras informa ao que veio, como se fosse um matreiro Martín Fierro a fazer justiça. Assim: “Brasileiro, brasileiro/Que amargado se te vé/Maradona es mas grande/Es mas grande que Pelé!”. Um estandarte azul na retaguarda da turba compõe a cena: é Messi, 10. 

O genial canhoto do PSG, aos 35 anos, incapaz de usar o pé direito, e o que ele faz com apenas um ninguém consegue, chega a sua quinta Copa do Mundo – apenas na primeira, em 2006, desembarcou como coadjuvante, na Alemanha, imberbe. Desde então, foi protagonista. No Brasil, em 2014, levou a seleção albiceleste ao vice-campeonato mundial. Pouco para um dos grandes de todos os tempos. Distante do Souk Waqif, mas não alheio aos conterrâneos que se espraiam como cobra pelo chão, Messi agradece o entusiasmo contagiante (e juro, vi brasileiro de camisa amarela se juntando ao bloco dos vizinhos da América do Sul). Disse Messi, em entrevista coletiva na segunda-feira, véspera da partida inaugural contra a Arábia Saudita, a partir das 07h00 de terça-feira, horário de Brasília: “É algo lindo que muita gente que não torce pela Argentina deseje que a seleção seja campeã por minha causa. Agradeço o carinho que tive em toda a minha carreira. Sempre, em todos os lugares onde fui, recebi carinho. Fico feliz”. 

Houve um momento fundamental, ao menos entre os argentinos, da transformação da estrela em ídolo – ou, dito de outro modo, da transmutação de Messi em Maradona. Foi na Copa América de 2019, vencida pelo Brasil de Tite. Diante dos microfones, depois de recusar a medalha pelo terceiro lugar no torneio, com uma vitória por 2 a 1 contra o Chile, ele esbravejou como nunca fizera antes. “Não nos deixaram chegar na final”, disse, lamentando a derrota por 2 a 0 para o Brasil, na semifinal. “Não temos de fazer parte desta corrupção, da falta de respeito de toda essa Copa América”. Fez cara feita, deu de ombros, bufou. “Lamentavelmente, repito, a corrupção e os árbitros não permitiram que desfrutássemos do futebol”. E então Messi se comportou como Maradona – e a torcida finalmente o adotou. O comportamento maradoniano não é pouca coisa para um menino que cresceu em Barcelona, parecia mais catalão que portenho, embora tenha nascido em Rosário. A Conmebol o multou em 50 000 dólares e três meses de gancho. O resultado: virou unanimidade pela primeira vez na carreira. “Quem não o conhece pode ter se surpreendido, mas ele é um argentino verdadeiro”, disse o treinador  Lionel Scaloni.

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“Leva o país no sangue, cresceu em um bairro popular, é sempre o que mais quer ganhar. Por isso explodiu naquele ambiente, contra o Brasil e no Brasil”. Depois, em 2021, durante a pandemia, a Argentina venceria a canarinho em pleno Maracanã, também pela Copa América, como cereja no bolo de um craque que nunca tinha erguido uma taça com a camisa do selecionado. É assim, leve depois da conquista, e crescido depois de dar uma de Maradona, o que o fez crescer também em influência no vestiário, que ele desfilará pelos gramados do Catar. Quem avisa amigo é: “Ganhar a Copa América nos tirou muita pressão”.  Quer vencer para autorizar renovados desfiles pelas ruelas do Souk: “Brasileiro, brasileiro/Que amargado se te vé/Maradona es mas grande/Es mas grande que Pelé!”. Se Messi ganhar a Copa do Mundo, entra na música também. 

 

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