Nova pesquisa joga luz sobre um desafio: a saúde mental dos atletas
Estudo chama atenção para a relevância dos cuidados para esportistas de alto desempenho, vítimas de depressão, insônia e ansiedade
A expectativa pelo desempenho da fenomenal ginasta americana Simone Biles na Olimpíada de Paris, a partir de 26 de julho (leia mais na seção Gente), tem como pano de fundo uma bela trajetória de superação. Nos Jogos de Tóquio, em 2021, em ginásio ocupado pelo silêncio imposto pela pandemia, ela desistiu da competição, pressionada. Durante a disputa por equipes, disse ter sofrido um bloqueio mental — o chamado “twisties”, que leva o atleta a perder o controle da posição enquanto está no ar. Corajosa, ela parou e chorou. “Por mais desagradável que tenha sido, sei que eu ter falado sobre o assunto está ajudando outras pessoas”, disse a campeã recentemente. “É o que eu sempre quis fazer, dentro do esporte e fora dele”.
Michael Phelps, o mágico das piscinas, perdia dois treinos por semana porque não conseguia levantar da cama, mas o tamanho de sua depressão só ficou escancarado quando ele foi preso por dirigir bêbado, em 2014. A ex-número 1 do tênis, Naomi Osaka, também surpreendeu o público e os patrocinadores duas vezes, em 2021. Primeiro, pela decisão de não participar do torneio de Roland Garros. Depois, a exemplo de Simone e Phelps, por abrir o coração ao revelar fragilidades como a de seres humanos comuns, e não os ditos super-heróis de pódios e troféus, de quem se espera sempre o limite do limite. Testemunhos como o da trinca dourada iluminam um desafio que apenas agora começa a ser esmiuçado com olhares científicos, sem paixão e sem desdém.
Uma pesquisa publicada recentemente pela Unicamp navega nesse terreno, o do equilíbrio de atletas de elite levados a desmoronar, no avesso do que deveria ser sinônimo de saúde. Ao entrevistar anonimamente 148 atletas e 106 treinadores brasileiros sobre saúde mental, o trabalho do educador físico Alexandre Conttato Colagrai chega a conclusões terríveis — e que, às vésperas do torneio em Paris, traz evidentes lições. De cada dez atletas, três sofrem com grau leve e moderado de depressão (veja no quadro). Quase um quarto deles já pensou em suicídio. Algo em torno de 8% tomam remédios para dormir. “Casos de insônia, transtorno alimentar e ansiedade, entre outras doenças do humor, são cada vez mais frequentes”, diz Colagrai. Eis a resposta de corpo e alma ante a rotina abusiva de treinos e um cotidiano que nada tem de humano.
Reconhecer a existência de problemas, e saber do real por trás dos surreais desempenhos de grandes estrelas, é modo de tentar evitá-los. Serve para os profissionais e serve também para quem apenas se movimenta para fugir ao sedentarismo. “É fundamental diagnosticar os sintomas no início, para que a doença não se torne crônica a ponto de comprometer o desempenho das atividades, aumentando ainda mais o sofrimento do atleta”, diz Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Há, contudo, um tabu a ser vencido. Ronaldo Fenômeno diz ter passado por duras travessias mentais, sentia-se inapto, mas não teve suporte. Segundo ele, por ser de uma geração onde não havia “espaço para drama”.
Não há dúvida: a depressão ainda é muito estigmatizada. “As habilidades físicas deveriam ser trabalhadas com as competências emocionais”, diz Wânia Rennó Sierra, psicóloga clínica que trabalha com atletas de alto desempenho. Agora, felizmente, a medicina do esporte começa a dar mais atenção à saúde psíquica, embora com passos demasiadamente pequenos. Explica-se a timidez: há a cobrança pela vitória, sempre. Vigora o desconhecimento das famílias, que dependem financeiramente dos vencedores. Os patrocinadores, que investem milhões, não deixam a roda parar, e, quanto maiores os valores envolvidos, maior é o estresse. “Os jogadores de futebol e os corredores da F1 são os mais cobrados”, diz Wânia.
A rotina ainda exige abrir mão da vida social, que ajudaria na busca da mente tranquila. Some-se o controle alimentar, que suspende pequenas recompensas, como a dos prazeres da mesa. E dá-lhe frustrações. A medalha no pescoço pode vir a atenuá-las mas, descobrimos com Simone Biles, não são forçosas. Convém ter os pés no chão. Um conselho recente de Phelps é comovente, em palestras sobre o tema: “Preferia ter a oportunidade de salvar uma vida a ganhar uma nova medalha de ouro”.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2024, edição nº 2901