Noruega decide abolir o VAR; pode isso, Arnaldo Cezar Coelho?
Como a decisão dos clubes noruegueses reacendeu a discussão sobre o impacto do árbitro de vídeo no futebol e as polêmicas em torno de sua aplicação

Em um movimento sem precedentes, 19 dos 32 clubes das duas principais divisões do futebol norueguês votaram pela abolição do árbitro de vídeo (VAR), argumentando que sua aplicação prejudica a essência do jogo. A recomendação foi formalizada, mas ainda precisa ser avaliada pela Federação Norueguesa de Futebol (NFF), que decidirá o futuro da tecnologia em sua assembleia geral de março.
Desde sua introdução na Noruega, em 2023, o VAR tem sido alvo de críticas intensas. Torcedores expressaram insatisfação com protestos criativos e barulhentos: croquetes de peixe, bolas de tênis e até rolhas de champanhe foram lançados aos gramados em partidas interrompidas por revisões polêmicas. A revolta atingiu o auge em 2024, quando uma partida entre Rosenborg e Lillestrøm foi encerrada prematuramente após uma chuva de objetos forçar a saída dos jogadores.
Embora o movimento tenha ganhado força local, é certo que as chances de abolir o VAR são mínimas. “Eles podem discutir o quanto quiserem, mas o VAR não vai acabar. É um movimento que não terá força contra os interesses globais“, analisa Arnaldo Cezar Coelho, uma das maiores referências na arbitragem brasileira.
Um sistema que desautoriza o árbitro em campo
O principal problema do VAR não está apenas na tecnologia, mas no impacto que ele tem sobre a figura central do árbitro que perdeu toda a sua autoridade. “Antes do VAR, o árbitro era o responsável por interpretar o jogo e tomar decisões em campo, mesmo que elas fossem contestadas. Com o VAR, esse papel foi gradualmente esvaziado“, afirma Arnaldo.
Junto com isso, as revisões constantes enfraquecem a posição do árbitro, que muitas vezes é obrigado a reconsiderar decisões com base em análises de vídeo feitas por colegas fora do campo. “O árbitro perdeu boa parte de sua autonomia. Ele sabe que qualquer decisão será revisada, e isso cria uma insegurança enorme”, diz Arnaldo. Essa perda de autoridade, segundo o especialista, também alimenta a desconfiança de jogadores e torcedores.
Além disso, o VAR introduziu um nível de padronização que nem sempre reflete a subjetividade do jogo. “A imagem não retrata o movimento do jogo, é uma sequência de fotografias. Você perde o contexto. O que parece ser uma falta em um frame pode não ser no movimento completo”, pontua Arnaldo.
Qual é o impacto no ritmo e na experiência do jogo?
O jogo está mais mecânico. Virou parte da experiência futebolística as demoradas interrupções que deixam a partida truncada. “O VAR quebra a dinâmica e o ritmo do jogo. O jogo para muito, e isso tira toda a emoção do momento“, critica Arnaldo. No futebol, onde a espontaneidade e o fluxo são partes essenciais da experiência, essas interrupções podem ser desastrosas para a atmosfera de uma partida.
O VAR foi criado para corrigir erros graves, como o famoso “Gol da Mão de Deus” de Maradona, mas acabou se transformando em uma ferramenta que analisa cada detalhe do jogo. “O VAR deveria ser usado para lances óbvios, mas hoje estamos discutindo centímetros de impedimento e toques involuntários na bola. Isso desvirtua a proposta inicial“, opina o ex-árbitro.
O dilema norueguês
O caso da Noruega é um reflexo de um dilema mais amplo no futebol global: como equilibrar a modernização tecnológica com a preservação da essência do esporte? Para muitos, o VAR representa um avanço necessário. Para outros, como os clubes noruegueses, é uma intervenção que rompe com as tradições do futebol.
Apesar do barulho, a iniciativa provavelmente enfrentará barreiras intransponíveis. “A FIFA não vai abrir mão do VAR. É algo que já está consolidado como parte do negócio do futebol, é muito lucrativo. Hoje, tem mais cursos de VAR do que de arbitragem. Isso mostra onde estão as prioridades”, diz Arnald0.
A votação na Noruega, portanto, pode não mudar o panorama global, mas expõe as fissuras em um sistema que, apesar de suas intenções, ainda não conquistou o coração dos torcedores.