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Deschamps x Scaloni: qual dos humilhados será exaltado no Catar?

Com currículos bem distintos, treinadores de França e Argentina superaram desconfiança geral e estão a um passo da glória em Lusail

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 dez 2022, 05h00

DOHA – A final da Copa do Mundo do Catar deste domingo, 18, entre França e Argentina, opõe dois treinadores de currículos totalmente distintos, seja na atual carreira ou nos tempos de atleta, mas que dividem uma situação em comum: tanto o consagrado Didier Deschamps quanto o novato Lionel Scaloni superaram momentos de enorme desconfiança. A partir das 12h (de Brasília), no Estádio Lusail, um deles começará a escrever o roteiro perfeito da redenção.

A situação de Deschamps, que está desde 2012 no cargo, chama mais a atenção. Aos 54 anos, o ex-volante francês já tem seu nome cravado na história em letras maiúsculas. Só ele, o alemão Franz Beckenbauer e o brasileiro Zagallo conquistaram a Copa do Mundo tanto como jogador quanto como técnico. Ele, inclusive, foi o capitão da França no triunfo sobre o Brasil na decisão de 1998. É, portanto, uma lenda do futebol local, mas ainda assim jamais caiu plenamente nas graças dos franceses.

“Eu diria que ele não é particularmente apreciado e que não faz muito para ser. É bastante desagradável com jornalistas e toma decisões contestáveis, como ter deixado Karim Benzema muito anos fora da seleção”, explica Julien Lecot, jornalista do do diário Libération. A forma pragmática como a equipe joga, quase sempre marcando firme atrás e apostando na velocidade de Kylian Mbappé nos contra-ataques é vista como um desperdício pelos críticos mais ferozes de Deschamps.

Trazendo para a realidade brasileira, Deschamps é uma espécie de Dunga. Foi um bom volante, de inegável liderança, umbilicalmente ligado à seleção nacional e que, como técnico, adota uma linha bastante conservadora. A diferença essencial é que Deschamps repetiu o sucesso na nova carreira, mas mesmo com a taça conquistada na Rússia, balançou no cargo. Há anos o ídolo nacional Zinedine Zidane é apontado como seu substituto natural. “Muitos esperavam impacientemente que Zizou assumisse. E, no entanto, tudo deu certo para Deschamps. Em resumo, ele não é popular, mas é respeitado pois seus métodos funcionam”, completa Lecot.

Didier Deschamps, da seleção francesa, comemorando a conquista da Copa do Mundo de 1998, no jogo contra o Brasil, no State de France
Didier Deschamps ergue a taça de 1998 no Stade de France (Pisco Del Gaiso/VEJA)

A sombra de Zidane, que foi seu colega de seleção durante anos, é tão incômoda que carrasco da seleção brasileiras nas Copas de 1998 e 2006 negou o convite da federação para assistir ao duelo deste domingo para evitar maiores constrangimentos. Deschamps, no entanto, não parece nada disposto a largar o osso e, segundo a imprensa local, tem chances de ter o contrato renovado mesmo em caso de derrota para a Argentina. Se for bi, ele igualará a marca do treinador italiano Vittorio Pozzo, bicampeão com a Itália em 1934 e 1938.

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É justo dizer que nesta campanha Deschamps pôde mostrar mais as suas virtudes ao gerir com maestria o corte por lesão de ao menos cinco jogadores importantes, incluindo Benzema, o atual Bola de Ouro, com quem nunca se bicou muito. O comandante é constantemente elogiado pelas lideranças do time, como Mbappé, Antoine Griezmann e Hugo Lloris, mas, ao menos publicamente, mantém um discurso de humildade. “Obviamente, estou orgulhoso, é uma grande conquista estar na final. Mas eu realmente não fico pensando em mim. Penso nos jogadores.”

De estagiário à Scaloneta

A história de Lionel Scaloni, de 44 anos, é bem diferente. Ele também foi jogador, um esforçado lateral-direito com passagens por clubes de Espanha e Itália, além da própria seleção argentina (foi companheiro de Lionel Messi na Copa de 2006), mas com poucas glórias nos gramados. A nova carreira teve início graças a um velho conhecido do futebol brasileiro: ele foi auxiliar de Jorge Sampaoli, ex-técnico de Santos e Atlético-MG, primeiro no Sevilla e depois na própria seleção argentina, no último Mundial.

Com a demissão de Sampaoli após o fracasso na Copa da Rússia, uma eliminação nas oitavas de final para a própria França, com show de Mbappé, a federação argentina optou por promovê-lo de forma interina. A escolha, como era de se esperar, foi recebida com muito ceticismo pela opinião pública portenha. A derrota para o Brasil na Copa América de 2019 foi o ponto mais turbulento da relação, com inúmeros pedidos de demissão do jovem técnico, que, no entanto, sempre teve o apoio dos atletas, em especial de seu xará Lionel, o verdadeiro “dono do time”.

Lionel Messi e Lionel Scaloni
Cumplicidade entre os xarás: Messi e Scaloni foram companheiros na Copa de 2006, a primeira do craque (Juan Mabromata/AFP)
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Eis que a roda girou e Scaloni, então, foi conseguindo implantar sua filosofia durante as Eliminatórias até chegar à consagração completa ao conquistar o título da Copa América, em 2021, diante do Brasil no Maracanã, encerrando um jejum de 28 anos sem uma mísera taça da equipe nacional. Mesmo sem jogar um futebol vistoso, a equipe venceu, e isso era o mais importante para uma comissão e para um elenco que precisavam de uma sobrevida. O gol por cobertura de Ángel Di María no Rio de Janeiro deu início à febre da “Scaloneta”, como passou a ser chamada a suposta carreata do técnico. “Fico um pouco sem graça com esse apelido, mas só posso agradecer às pessoas pelo carinho”, desconversa. 

De uma hora para a outra, o país inteiro decidiu subir na Scaloneta e acelerar rumo ao sonho do tricampeonato. Ao contrário de Deschamps, o treinador argentino é uma figura bastante diplomática e simpática. Durante o Mundial do Catar, ele chegou a dizer que torceria pelo Brasil caso a Argentina fosse eliminada e conclamou uma união das equipes sul-americanas. É verdade que a fase esplendorosa de Messi facilitou o seu trabalho, mas Scaloni também teve méritos nesta campanha, especialmente em apostar nos jovens Enzo Fernández e Julián Alvarez, que ganharam a posição e têm sido fundamentais.

Se Deschamps segue dividindo opiniões, Scaloni é, ao menos até a final deste domingo, uma unanimidade na Argentina. Recentemente, viralizou no Twitter uma thread com as críticas mais pesadas sofridas pelo técnico no início do trabalho, sugerindo que fosse formada uma fila para pedir desculpas ao comandante da Scaloneta.

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Na véspera da decisão, em uma entrevista a meios locais, Scaloni não conteve as lágrimas ao falar da trajetória deste grupo. “Só tenho a agradecer [aos atletas] e acho que todos os argentinos fariam o mesmo, só de falar já me emociono. Porque deram tudo de si, sinceramente. Esperamos coroar amanhã, mas se não for assim, que as pessoas estejam orgulhosas. É um momento para ser desfrutado”, disse.

Talvez tanto Deschamps quanto Scaloni deixem o Catar exaltados pela torcida pelo bom trabalho realizado, mas apenas uma das seleções terá o tricampeonato.

 

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