Como o minúsculo Catar faz para chamar atenção em Paris
Mediador na guerra Israel-Hamas, o país do Oriente Médio chegou tocando sirene na cidade olímpica
Os franceses não entenderam nada. “Isso é muito estranho”, dizia uma senhora em meio a uma multidão igualmente atônita, do lado do Arco do Triunfo. Na rua, em vários cantos da cidade, carrões camuflados e barulhentos lançam um ponto de interrogação: o que, afinal, é aquela frota que destoa na paisagem? A resposta: os veículos blindados e chamativos vêm do Catar, a nação que, sendo minúscula, faz de tudo para aparecer. E deu certo em Paris, para alegria do governo tocado pelo xeque Tamim al-Thani, hoje envolvido na mediação da guerra Israel-Hamas.
Os blindados de al-Thani estão na Cidade-Luz como parte de um acordo firmado com o governo para dar um reforço na segurança nestes dias pré-Jogos e durante toda a competição. Não são os únicos forasteiros a se juntar à turma de 30 000 polícias, 15 000 militares e 22 000 agentes privados franceses. As forças estrangeiras chegam a quase 2 000 homens e mulheres, inclusive brasileiros. Vinte integrantes da Polícia Federal já estão inclusive in loco, todos com foco na vigilância por todo o circuito das competições e na prevenção ao terrorismo, preocupação que ronda a farra olímpica.
Os únicos que chegaram com as sirenes a toda, porém, foram os cataris. Não demorou, e o governo do emirado, que tem se concentrado no softpower, com iniciativas como importar universidades de prestígio global e atrair os holofotes com mega empreitadas como a Copa do Mundo, se pronunciou, todo prosa: “Essa parceria confirma que a expertise do Catar em prover a segurança de grandes eventos já é referência global”, vangloriava-se nas redes.
MODO GUERRILHA
Já na internet francesa, o humor era outro, descambando para a geopolítica. “Apesar de sua proximidade com o Hamas, o Catar está marchando sobre Paris”, indignava-se um local, lembrando que a nação espremida na Península Arábica entre tantas potências abriga líderes do grupo terrorista. São todos bilionários e levam uma vida de luxuosos mimos, a bordo de jatinhos e alojados em hotéis que parecem palácios. “Daqui a pouco será a Rússia ou a China fazendo a nossa segurança”, ironizou a senadora Valérie Boyer, do Republicanos, partido à direita.
Até nos corredores do Ministério do Interior, que cuida da segurança nos Jogos, houve algum desconforto. Segundo um integrante da pasta, que falou ao jornal Le Monde, o acordo selado em 28 de fevereiro entre os dois governos abrangia a patrulha a pé em missões para deter explosivos. “Qual o ponto de fazerem uma parada com veículos militares em plena Paris?”, questionava. Depois, ficou tudo às claras: os doze veículos blindados são parte do acerto francês com o emirado.
O que não estava acertado era o estardalhaço da frota, que ecoou até nas bandas da Torre Eiffel. Logo, o governo catari voltou às redes, agora em tom ainda mais festivo. “Nossas forças de segurança estão na amigável República da França para ajudar na bela Olimpíada”, dizia o post, alheio à polêmica. Também foram emprestados aos franceses trinta potentes pares de binóculos de visão noturna. E assim, pequeno mas barulhento, o Catar conseguiu virar assunto em Paris.