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Brasil

Panorama da tragédia

O trabalho dos bombeiros de São Paulo durante as buscas nos escombros do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu

por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 Maio 2018, 15h18 - Publicado em
11 Maio 2018
11h09

Quarta-feira, 9 de maio de 2018. Meio-dia. Largo do Paissandu, região central da cidade de São Paulo. Nos escombros do Edifício Wilton Paes de Almeida, onde antes estava instalada uma invasão ligada a um movimento de luta por moradia, equipes do Corpo de Bombeiros seguiam em um trabalho incessante na busca por sinais dos desaparecidos. “Estamos fazendo uma ação humanizada. Queríamos achar alguém com vida, mas, se não achar, eu preciso pelo menos dar alguma dignidade para a família enterrar os corpos”, disse a VEJA o capitão Marcos Palumbo, porta-voz da corporação. “O comércio e o trânsito têm que se preocupar com a sua área de atuação, mas precisamos fazer isso, precisamos continuar”, completou.

Até a manhã desta sexta-feira, o trabalho já havia resultado no acesso aos restos mortais de quatro pessoas, sendo que apenas uma vítima havia sido identificada: Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, o homem que chegou a ficar pendurado por uma corda prestes a se salvar quando a estrutura do prédio entrou em colapso com o fogo. Segundo o Instituto Médico-Legal (IML), o restante das ossadas é compatível com três pessoas, um adulto e duas crianças.

“Queríamos achar alguém com vida, mas, se não achar, eu preciso pelo menos dar alguma dignidade para as famílias enterrarem os corpos”

No local, a corporação mantinha naquele momento cerca de cinquenta bombeiros, número que chegou a 170 nos primeiros dias após o desabamento do prédio. Nos escombros, operando as máquinas e analisando os materiais retirados, permaneciam cerca de oito profissionais de forma permanente. A cada hora, atendendo a padrões de qualidade, toda a equipe de plantão no trabalho é trocada.

“Temos pesquisas que indicam que, depois de uma hora, a perda hídrica provoca queda na qualidade do trabalho, mesmo que você seja preparado para ficar mais tempo. Apesar de o profissional se sentir bem, já está comprovado que a eficiência cai sem ele nem perceber”, explicou o médico Jorge Ribera, responsável pelo Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (GRAU).

Para além do trabalho propriamente dito no local do colapso – até a quarta-feira 9 já haviam sido retiradas 2.000 toneladas de entulho –, os bombeiros no local se dividiam entre outras funções e estruturas, incluindo a segurança dos profissionais, locais de descanso atendimento médico às possíveis vítimas e aos próprios bombeiros e um canil, onde permanecem para alimentação, descanso e treinamento os cachorros (a maioria cadelas) que participam das buscas.

Local das buscas
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As condições para o desabamento do edifício foram as piores possíveis para a sobrevivência dos presentes, conforme explica Jorge Ribera. “Foi um colapso por empilhamento, o que diminui a chance de formação de triângulos de pedras, de espaços nos quais se abrigariam sobreviventes”. Para identificar possíveis despojos, os bombeiros optaram por utilizar máquinas que coletam pequenas porções de entulho, que possam ser examinadas rapidamente. A qualquer sinal de elementos pessoais, como roupas, ou biológicos, como odores mais fortes, cessam os trabalhos com as máquinas e as escavações são feitas com as mãos, para evitar qualquer tipo de dano.

“O que conseguimos foi em pedaços muito pequenos, muito fraturados pelo impacto. Quando há algo mais formado, como foi o caso do Ricardo, podemos atestar ser um corpo. Em outros, apenas os exames do IML podem indicar de forma melhor”, explicou o capitão Palumbo. Nas imagens captadas por VEJA, é possível observar o trabalho dos profissionais na coleta e análise, bem como o manuseio quase permanente de uma mangueira de água, que contém a poeira e evita problemas respiratórios.

Além dos bombeiros que ficam nos escombros, as equipes contam, permanentemente, com uma pessoa capacitada para debelar rapidamente quaisquer incêndios – provocados por gases ou fiações elétricas, por exemplo – e técnicos da segurança das escavações. Em um prédio próximo, foi montada uma estrutura que monitora 24 horas por dia as vibrações de um edifício em frente aos escombros, que está interditado e também poderia ruir em razão do comprometimento da estrutura.

Centro de comando das operações
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Em um caminhão um pouco mais afastado, os bombeiros instalaram um centro de comando móvel, que é alterado a cada turno de trabalho (24 horas de trabalho por 48 horas de descanso). Lá estão organogramas de trabalho, registro permanente de todos os que entram e saem do local das buscas, plantas do edifício e da região e programações com os objetivos do dia e da operação.

“Precisamos ter um controle restrito de todos que estão trabalhando e do que estamos fazendo. A cada período operacional [doze horas consecutivas, encerrados às 7h30 e 19h30], elaboramos uma resenha, que depois vai compor um grande relatório final de toda a emergência”, explicou o capitão Reis, que naquele turno estava responsável pela segurança dos bombeiros.

Atendimento médico de urgência

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Nos primeiros dias de trabalho no Largo do Paissandu, a tenda médica chegou a reunir dezesseis profissionais de saúde, prontos e treinados para garantir a vida de sobreviventes. Durante a visita de VEJA, o plantão continuava ativo com duas profissionais. Infelizmente, a expectativa de receber pessoas retiradas dos destroços com vida era baixa, mas o atendimento estava ativo por uma necessidade pouco lembrada: a dos próprios bombeiros.

“Eu preciso cuidar com atenção dos meus bombeiros, precisamos ter todo o necessário para emergências respiratórias ou para atender um diabético que esteja trabalhando no sol sem ter conseguido almoçar ainda, por exemplo”, explicou a enfermeira Daniela Gurjão. Em apenas três mochilas, o Grau consegue reunir todo o essencial de emergência de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como medicamentos de controle da dor e estímulo das atividades do organismo, bem como pequenos procedimentos, que permitam a sobrevivência até a chegada a um hospital.

A escolha dos locais de direcionamento é feita por uma central, que avalia a gravidade e a conveniência da distribuição dos casos. “Não podemos em um atendimento a múltiplas vítimas levar todas para a Santa Casa, por exemplo, colapsar a unidade e não garantir a atenção a ninguém, é feito um trabalho de inteligência”, comenta a enfermeira Selma Passos.

Área de descanso
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Para a manutenção do trabalho intenso, são servidas refeições aos profissionais – nessa fase atual, com um efetivo um pouco menor, o número fica em torno de 160 quentinhas por dia. Além de um fornecimento quase ininterrupto de água. A garantia da hidratação é uma das principais preocupações, junto com as questões respiratórias, pela inalação de fumaça e poeira.

A área de descanso é composta de um espaço amplo, para que os bombeiros possam se preservar do sol e se alimentar com mais tranquilidade. O abastecimento da alimentação ocorre duas vezes ao dia, no almoço e na janta, com alguns lanches complementares de acordo com a necessidade.

Canil

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Uma das estrelas do trabalho dos bombeiros no local são os cachorros, que percebem com muito mais apuro os odores característicos dos seres humanos, vivos ou não, e são os responsáveis por indicar os locais que demandam uma escavação mais cautelosa.

“Quando elas ficam mais agitadas, você percebe que mudou o comportamento, é sinal de que tem alguma coisa ali”, explica o cabo Fabrício Assumpção, responsável pela cadela Vasty, pastor-belga malinois de 5 anos. Durante a visita de VEJA, duas cadelas, Vasty e Moli, pastor de 5 meses de idade, estavam descansando após um turno de trabalho.

Elas ficam preservadas do sol e alimentadas dentro da viatura-canil e são acompanhadas em tempo integral por um bombeiro, treinado em zootecnia. Não há restrição para que os cães sejam fêmeas ou dessa raça, mas existem características que favorecem essas categorias. “A pastor- belga é muito focada. E a cadela tem a característica de não marcar território, então ela não urina nos espaços em que atua. Não é uma restrição, mas temos mais fêmeas por esse motivo”, explica o cabo.

O treinamento para atuar de forma integral demora em torno de um ano e meio. Uma das técnicas para que elas possam buscar por cadáveres é a inserção de cordões umbilicais dentro dos brinquedos das cadelas, com um odor semelhante ao que elas precisam encontrar. Para seres vivos, o treinamento geralmente é com outros bombeiros do mesmo agrupamento.

Expediente

Reportagem: Guilherme Venaglia
Fotografia: Heitor Feitosa
Imagens 360º: Sidclei Sobral
Edição de texto: Ricardo Helcias
Edição de arte: Alexandre Hoshino
Edição de vídeo: Gabriela Alves

*Imagens captadas com a Samsung Gear 360

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