A Líbia de hoje é um país que não é país. Milicianos, extremistas islâmicos e militares chefiam bandos que controlam, cada um, seu naco do território retalhado desde a deposição e morte do ditador Muamar Kadafi, em 2011. Há dois meses as duas maiores cidades estão em pé de guerra, com centenas de mortos, quase 100.000 desabrigados e nenhuma solução à vista.
Na metade oeste da ex-colônia italiana debruçada sobre o Mediterrâneo, Trípoli, a capital da Líbia, tem um arremedo de governo provisório sustentado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e é chefiado pelo primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, que depende, para sobreviver, dos grupos armados comprometidos com sua defesa.
Na banda leste, Benghazi, a capital do petróleo, está nas mãos de Khalifa Hiftar, um ex-militar de 75 anos que alinhavou suas próprias alianças com as milícias vizinhas e, em abril, atacou Trípoli de surpresa. Hiftar e companhia estão lá até agora, sem avançar nem recuar, cultivando um enfrentamento que pode desembocar em guerra civil.
Nesta terra sem lei, uma legião de desesperados se vira como pode e tenta não morrer antes de alcançar seu sonho: atravessar o mar e chegar à Itália. São refugiados da África negra, a rabeira do grande movimento migratório que, há dois anos, cruzava a Líbia e desembarcava milhares nos portos italianos (se não morressem afogados antes), aproveitando a facilidade de abrigo a quem partira de ex-colônias – uma condição que o governo atual de Roma anulou sumariamente.
Este é o cenário caótico que o repórter fotográfico brasileiro André Liohn, de 44 anos, encontrou ao desembarcar em Trípoli, em abril. Liohn, que construiu uma sólida carreira fotografando áreas de conflito em diversas partes do mundo, passou quatro semanas nos arredores da capital. Abrigou-se de balas em meio a tiroteios, viu de perto a desesperança dos civis e registrou com sua câmera a precária existência dos imigrantes. A seguir, seu relato e suas imagens impactantes.