Pagamos, sim!
“Nós nunca atrasamos um salário”. A frase é repetida como uma espécie de mantra pelo empresário mato-grossense Cristiano Dresch, 43 anos, ao falar sobre o sucesso do Esporte Clube Cuiabá. O clube fundado em 12 de dezembro de 2001, e ainda desconhecido do grande público, é quase uma utopia em um cenário de dívidas bilionárias e casos recorrentes de atrasos salariais que atingem as camisas mais pesadas espalhadas por todo o país. O sonho por aqui é outro: ser reconhecido e bem mais do que um estreante com contas em dia na elite do futebol brasileiro em 2021.
“Nós nunca atrasamos um só salário, e nem vamos atrasar. Cobrimos o déficit, qualquer prejuízo, com investimento do nosso bolso. E analisamos que tudo tem valido a pena para a nossa empresa. Cumprimos com aquilo que prometemos e a fama de sermos bons pagadores já se espalhou. Ela tem sido decisiva, acredito que o primeiro item que qualquer atleta analisa é esse. Eu vou receber em dia? Aqui vai”, conta Dresch, vice-presidente do Cuiabá, a PLACAR.
Ele é o rosto do sucesso de um novo modelo no país, o de clube-empresa, no formato de sociedade limitada na qual os donos podem responder com os próprios bens em caso de insucesso de gestão. O clube é administrado por Cristiano Dresch e pelo irmão, Alessandro, donos de indústria do ramo da borracha desde 1989. O patriarca, Aron Dresch, se afastou para presidir a Federação Mato-grossense de Futebol (FMF). Não há figuras como executivos de futebol, diretores e gerentes.
“O modelo organizacional do futebol não é interessante. O futebol tem muito atravessador, muita gente dividindo o bolo, e que não deveria estar. A contratação de um jogador no Cuiabá não passa por diretor, ou por gerente, elas são tomadas por nós. Não vamos trazer um jogador que vai nos custar milhões, isso trará prejuízos ao nosso negócio, vai doer. Fomos quebrando a cara e aprendendo a fazer isso. Assistindo jogos, aprendendo, por isso resolvemos não ter esses profissionais no processo. Quebramos um paradigma e temos um contato muito mais direto com todos”, explica.
O clube, curiosamente, foi fundado por Gaúcho (1964-2016), ex-atacante conhecido por passagens por Flamengo e Palmeiras. A empresa da família Dresch chegou a patrocinar o Dourado no período, mas rompeu os investimentos em 2005, por um desacordo entre as partes. No período, o clube foi bicampeão mato-grossense, mas resolveu se licenciar em 2006. Voltou em 2009, quando foi comprado pela família.
A ascensão ocorreu em um espaço de pouco mais de 11 anos, com um acesso da Série D para a Série C, onde ficou por sete temporadas, e uma rápida passagem na Série B, de apenas dois anos. “As pessoas nos comparam com o Red Bull Bragantino, mas é uma história totalmente diferente. O Cuiabá saiu da segunda divisão do mato-grossense para a elite do país, o Red Bull pulou etapas com a fusão. A maioria das pessoas nem sabe que o Cuiabá é empresa, cresceu sem essa pecha. São clubes totalmente diferentes. Estamos mais próximos do modelo comum”, analisa Dresch.
Agora na Série A, e com receitas praticamente quintuplicadas, os donos estimam que de 5,5 milhões de reais de cotas televisivas saltem R$ 26 milhões de reais. A folha salarial na campanha da última Série B girava em torno de 1 milhão de reais. Na Série A, o clube pretende chegar a um teto de 3 milhões de reais. Já contratou 11 jogadores, o treinador Alberto Valentim e ainda quer mais. “Vamos anunciar, pelo menos, mais sete ou oito nomes. Precisamos fazer algo diferente agora”.
O Cuiabá é o primeiro time do Mato Grosso a disputar a Série A desde o Operário, em 1986. Nas décadas de 1970 e 1980, Mixto e Dom Bosco também representaram o estado. O time de uniforme amarelo e verde, conhecido como Dourado (alusão ao peixe dourado, que é um símbolo da região do Pantanal), manda seus jogos na Arena Pantanal, construída para a Copa do Mundo de 2014 por 628 milhões de reais. O estádio com capacidade para aproximadamente 43.000 torcedores, que por anos conviveu com a fama de “elefante branco”, agora receberá os maiores clubes do país em 2021.