Irmã Dulce: O poder nas mãos
Uma nova biografia da baiana que será a primeira santa brasileira revela uma mulher que circulou entre políticos arrecadando dinheiro para os pobres
No próximo 13 de outubro, a baiana Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, a Irmã Dulce (1914-1992), se tornará a primeira santa brasileira, em cerimônia no Vaticano. Ela teve reconhecidos dois milagres — teria estancado uma violenta hemorragia de uma dona de casa sergipana e curado instantaneamente a cegueira de um homem de 50 anos. Em vida, ganhou notoriedade por seu jeito doce e pela vocação de acolher mendigos e doentes e visitar presos nas cadeias. Mas a vida de benemerência da freira de 1,48 metro de altura e saúde frágil (no fim da vida pesava 30 quilos) foi ancorada numa postura que, muitas vezes, se opunha à aparente fraqueza. É o que revela o jornalista Graciliano Rocha no livro Irmã Dulce, a Santa dos Pobres.
Nos anos 1960, a religiosa andava por Salvador para recolher crianças desabrigadas. As abordagens beiravam o rapto. A aproximação ocorria quando estavam dormindo. Algumas reagiam assustadas, agressivas. Irmã Dulce explicava, então, que apenas não queria vê-las ao relento, na madrugada, e por isso agira com vigor.
Ela se sentia empoderada, para usar uma expressão contemporânea, porque circulava entre os políticos. Para recolher dinheiro destinado à construção do Hospital Santo Antônio, na capital da Bahia, aproximou-se do todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães, governador do estado. Em 1979, ACM mudou a agenda do então presidente da República, João Baptista Figueiredo, durante visita à Bahia, para incluir uma passada no hospital comandado por Irmã Dulce. Ao chegar à instituição, a freira o pegou pelo braço. Figueiredo viu doentes amontoados em macas pelos corredores, em colchões no chão — inclusive ocupando o espaço do necrotério. Três anos depois, o número de leitos aumentou 70% em relação à década anterior. Do presidente José Sarney, recebeu o número do telefone que tocava diretamente em sua mesa no gabinete do Palácio do Planalto. Ela ligava, portanto, sem passar por secretárias e assessores. O canal de comunicação foi usado pelo menos em três oportunidades, para passar o chapéu para suas obras sociais. “Irmã Dulce nunca subiu num palanque”, diz Rocha, autor da biografia. “Quando lhe perguntavam qual era seu partido, ela dizia: o partido dos pobres.” E assim foi, religiosamente, sem ideologias.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650