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Olivier Rousteing: ‘A moda é racista’

Único negro à frente de uma grife de luxo, o estilista francês, chamado de ‘vulgar’ pelos rivais, fez o lucro da Balmain ir de 24 para 150 milhões de euros

Por João Batista Jr. Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 ago 2019, 19h22 - Publicado em 25 ago 2019, 19h48

Com apenas 25 anos, Olivier Rousteing foi contratado como estilista da Balmain, grife fundada em 1945 para atender a elite parisiense no pós-guerra. Sua moda sexy, com roupas justas, cheias de recortes, foi massascrada pela crítica especializada, que achou tudo muito vulgar. Em oito anos, porém, o jovem estilista viu crescer o lucro da empresa de 24 para 150 milhões de euros anuais. Rousteing ainda conquistou clientes como Kim Kardashian, Beyoncé e Rihanna. E ele se tornou o estilista mais badalado no Instagram, com 5,4 milhões de seguidores. Negro criado por pais adotivos brancos em Bordeaux, cidade francesa onde foi abandonado, aos 7 dias, em um orfanato, Rousteing, hoje com 33 anos, é o primeiro e único estilista negro no comando de uma grife feminina de luxo. Comprada em 2016 pelo fundo Mayhoola for Investments, controlada pela família real do Qatar, também dono da marca Valentino, a Balmain abre lojas em grandes capitais do mundo – a exemplo de São Paulo, onde Rousteing, amigo pessoal de Neymar, virá para uma festa no fim de agosto.

O senhor é o único estilista negro no mercado de luxo. Como vê essa ausência de diversidade? Vejo com muita tristeza. Muitos analistas apontam que revolução da moda virá com a tecnologia, com tecidos que carregam o celular, ou feitos de materiais biodegradáveis. Tudo isso é importante, claro, mas antes há algo muito mais urgente para resolver: a moda precisa deixar de ser arcaica e racista. Eu não mostro apenas roupa, mas uma nova maneira de ver o mundo. Não adianta uma marca colocar três modelos negras na passarela, em um total de oitenta meninas, para mostrar diversidade. Há diversidade no time de criação ou vendas? Não? Então não passa de marketing. Certa vez, pedi ao dono de uma agência de modelos de Paris que me apresentasse mais modelos negras, e ele simplesmente não as tinha no seu elenco. Alegou que grifes e revistas não solicitavam negras.

Em 2018, a Dolce & Gabbana pediu desculpas por fazer um vídeo promocional visto como xenofóbico por debochar de uma mulher chinesa tentando comer massa italiana com hashi. Qual sua impressão a respeito? Isso jamais aconteceria na Balmain, onde temos de fato um time diverso, com japoneses e iranianos na equipe. Esse caso ocorreu porque a marca não é verdadeiramente diversa, não entende o outro. Não adianta uma grife usar a diversidade para fazer propaganda sem que isso seja genuíno. Uma hora, a verdade vem.

O senhor já foi vítima de racismo? Para começo de conversa, nunca fui vítima de nada. Já passei por experiências racistas ao longo da minha jornada, e posso garantir: o pior racismo não surge por parte daqueles que nos olham torto, mas, sim, de quem está ao lado, em silêncio, julgando tudo, sem fazer nada.

“Não adianta a grife colocar três modelos negras em um total de oitenta na passarela. A empresa tem diversidade na sua equipe de criação? Se não, tudo não passa de uma ação de marketing”

O senhor poderia dar um exemplo? Desde muito pequeno eu lutei para me reconhecerem como um cidadão francês. Na infância, era possível notar pessoas me olhando e pensando: “você é um garoto negro, mas seus pais são brancos”. Isso ficou gravado na minha memória e alma. Quando cursei faculdade de direito, escutei comentários de que era um grande feito um negro se tornar advogado. Nunca vi um branco escutar algo assim. Esse tipo de pensamento mostra, na verdade, um racismo intrínseco por parte de quem fala.

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Recentemente, marcas como Prada, Versace e Gucci anunciaram não mais usar pele de animais em suas coleções. Como vê esse posicionamento? Eu me pergunto se as empresas têm tomado essa decisão por novos valores genuínos e amor aos animais ou porque o mercado pede. O mundo está mudando para melhor. Está na moda ser do bem. Nos anos 90, por exemplo, sabíamos que o chique era usar casacos de pele e ter atitudes arrogantes. Era aceitável ostentar e destratar as pessoas. Hoje isso não tem o menor cabimento. Para não perderem o curso do tempo, algumas grifes acordaram e decidiram ficar boazinhas. É um movimento importante, claro, porém não sei se genuíno. Eu estou dentro disso, não uso pele de animal selvagem em minhas coleções e penso em alternativas ao couro de vaca. Mas é preciso ter coerência. Se o estilista não apoia matar animais para fazer casaco, deveria considerar terrível também comer carne.

O senhor come carne vermelha? Fiquei perturbado vendo documentários sobre massacres de animais. Há dois meses, não coloco carne na boca.

O senhor assumiu a Balmain em 2011, quando a marca tinha perdido projeção e apelo de público e contava com uma única butique, em Paris. Como fez o faturamento da Balmain passar de 24 para 150 milhões de euros ao ano? A única forma de responder é falando do meu amor pela mulher. Desenho roupas pensando em deixá-la linda para ela mesma, não somente para o olhar dos homens. A mulher se identificou com meu estilo sexy, poderoso, com recortes – um estilo que espelha o que elas querem: se sentirem poderosas. Vejo o movimento feminista como algo fundamental. Hoje, temos a noção de que se a mulher quiser usar um vestido curto, provocativo e com pele à mostra, isso também é parte do movimento e não se deve julgá-la. Nenhuma mulher de estilo diferente está excluída. O crescimento veloz da Balmain se deu por esse reconhecimento entre mim e as clientes ao redor do mundo, por eu estar perto delas e entender o que querem. O estilista não é mais um ser distante e longe da realidade. Não impõe nada, existe uma troca.

Como é sua estratégia de mercado? O lucro da empresa não chega porque viajo para tomar champanhe com as clientes, mas por que sei escutá-las e fazer boas peças. Um vestido que sai bastante em Los Angeles pode não ter apelo no Japão, mas não crio coleções para países diferentes: eu me certifico de que a coleção é grande o suficiente para atender toda a clientela. Não fazemos escalas enormes porque a matéria-prima é muito cara e temos de criar desejo. Entre roupas e acessórios, eu e meu time criamos 10.000 itens diferentes por ano. Daí precisar trabalhar das 9 da manhã às 10 da noite, todos os dias. Assumi a Balmain com uma loja, em Paris. Hoje são 35 butiques. Mas quero muito mais, evidentemente.

Com 5,4 milhões de seguidores no Instagram, o senhor é estilista com mais apelo em rede social. Como isso começou? De forma natural. Na coleção de 2014, contratei a Rihanna para estrelar a minha campanha e comecei a ficar amigo de Kim Kardashian e outras pessoas fortes. Conheci Kim em uma festa de gala em Nova York e três dias depois ela estava no meu ateliê francês fazendo pedidos. A força da minha rede social vem da identificação de valores entre mim, minhas clientes e o público: não acreditamos em um mundo racista, arcaico, metido e conformista. E, claro, questiono o sistema da moda. Eu não acredito que a quantidade de curtidas importe. Importa, isso sim, a discussão que um post levanta. Não convido para os meus desfiles influenciadoras baseado em suas curtidas. Elas precisam ter algo a dizer. Aliás, número de seguidores de alguém também não me interessa. Tem meninas com um batalhão de fãs, mas não sabem converter isso em valores e vendas para a marca.

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“Adoro ver cópias por aí. Vamos ser claros, nem todo mundo pode pagar por uma bolsa ou vestido Balmain. Gucci e Prada também são copiados. Estou em boa companhia”

Falando em desfiles de moda, eles ainda são importantes na era da redes sociais? Sim, são fundamentais, mas não da forma como vemos hoje. Há a opção de convidar os editores, as celebridades e os compradores para a apresentação e fazer uma live para o mundo todo ver. Mas esse formato já é antigo. Vejo os desfiles como shows de rock, e talvez uma fórmula seja passar de 500 para 10.000 convidados, e quem sabe fazer uma turnê mundial, em várias capitais. O impacto seria muito maior. Veja uma constatação: no passado recente, as pessoas aplaudiam o estilista ao final da coleção apresentada. Hoje, não escutamos uma palma sequer na sala porque todo mundo está gravando para postar em rede social. Já que estão ali para produzir conteúdo, por que não darmos algo a mais?

Aliás, muitos concorrentes o criticam por se comportar como uma estrela de rock. Eu trabalho treze horas por dia, todos os dias. Estou sempre na estrada para conhecer a clientela. Desenho duas coleções tradicionais, de 1.200 peças cada, mais duas coleções resort, de 500 peças cada. Isso fora os acessórios, a coleção infantil e a masculina. Multipliquei o lucro da Balmain inúmeras vezes, o crescimento da marca segue altíssimo e com planos de abrir lojas em diversos países. Se as pessoas se identificam comigo e com a voz que criei, ótimo. O estilista precisa decidir se quer se aclamado pelos críticos, que muitas vezes não definem o sucesso de uma coleção, ou pelo público em geral.

Como foi assumir uma grife de luxo com apenas 25 anos de idade? Complexo. Quando se tem uma herança a preservar, é necessário satisfazer os críticos e, ao mesmo tempo, atrair novos clientes sem assustar os antigos. Eu tentei agradar a todos no começo, até me dar conta que eu tinha de me agradar também. O que a elite da moda adora não vende necessariamente. Se tivesse seguido o que me pediram, eu teria sido demitido após apresentar três coleções.

O senhor produz vestidos colados ao corpo e com muita pele à mostra e tem clientes como Kim Kardashian e Beyoncé. Como vê a críticas de que seja “vulgar”? Já me chamaram de vulgar por causa das escolhas que faço de modelos e por minhas amigas. Agora, o estilista que escala meninas loiras e de olhos azuis para seus desfiles, e faz essas roupas largas e usando tecidos como neoprene, é vistos como supermoderno. Não concordo. Mas não ligo para rótulos. Já vivi coisas muito piores em minha jornada. Quando meus pais decidiram adotar uma criança negra em Bordeaux, nem meus avós entenderam direito. Hoje, quando alguém me chama de vulgar pelas minhas roupas, pelas minhas amigas ou por postar algumas selfies, eu não me importo.

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As peças da Balmain estão entre as mais copiadas e falsificadas do mundo. O que sente quando vê uma fake pela rua? Eu adoro ver as cópias por aí. Vamos ser claros, nem todo mundo pode pagar por uma bolsa ou vestido Balmain – mas todos podem sonhar com essas roupas e acessórios. Então, para ser honesto, me sinto honrado ao ser copiado. Quem é copiado no mercado? Louis Vuitton, Gucci, Prada. Estou em boa companhia.

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