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O programa que quer lotar o Maracanã com fanáticos pela educação

O Teach for All sacoleja a sala de aula com professores nota 1 000, inclusive no Brasil

Por Monica Weinberg, de Doha
Atualizado em 28 nov 2023, 09h54 - Publicado em 28 nov 2023, 09h49

Nos últimos tempos, muitas inovações desaguaram na sala de aula cercadas de promessas. Vale a pena olhar para elas com atenção, já que algumas, se bem aplicadas, podem chacoalhar a rotina e dar aquele empurrão ao aprendizado, como a tão comentada e promissora (ainda a ser estudada) inteligência artificial. Acima de qualquer ferramenta, porém, paira o velho e bom professor. Quando ele realmente sabe o que faz e aposta suas fichas no avanço da turma, os resultados costumam ser extraordinários.

Neste campo, um programa global se notabiliza por colocar em ação uma tropa de mestres ultra qualificados, o Teach for All, sobre o qual a CEO, a americana Wendy Kopp, 56 anos, falou no Wise Summit, encontro mundial da educação em Doha, a capital do Catar. Tecnologia entrou na roda, como não poderia deixar de ser nestes criativos dias de hoje, mas foi posta em seu bom lugar. “A inovação abre uma janela de oportunidades ao ensino, sim, só que o professor segue no centro”, enfatizou Wendy, laureada no último Wise justamente pelos resultados colhidos em seu transformador projeto.

Criado nos Estados Unidos em 1989 e hoje espalhado por 61 países em operações independentes, sob o mesmo modelo, ele tem como ponto de partida uma seleção rigorosa dos postulantes a dar aulas em colégios públicos. Isso mesmo: o prestígio da iniciativa é tão grande que os melhores alunos de todo tipo de curso – matemática, ciências da computação, medicina, direito, além de pedagogia – enfrentam uma peneira que, no Brasil, chega a 100 candidatos por vaga para lecionar por dois anos em uma escola pública. “Identificamos aqueles realmente empenhados em mudar o cenário, combater as desigualdades, e que gostam de ser desafiados”, diz Wendy a VEJA.

Esse batalhão de novatos no ensino (13 000 atualmente, 100 000 desde o marco zero) ficam imersos num treinamento que se estende por cinco semanas com os olhos voltados para a prática – esta uma diferença essencial em relação às faculdades de pedagogia, historicamente debruçadas sobre uma grade teórica. No Brasil, há mais  um ano de complementação pedagógica, reconhecida pelo MEC, o que nos Estados Unidos é o próprio programa que fornece.

Na hora de encarar a classe, esses ambiciosos jovens fisgados pelo espírito de liderança são acompanhados por espécies de coaches, um grupo mais experiente que vai ajudando a lapidar talentos que, recém-formados, escolhem passar uma temporada ensinando, para depois dar o passo seguinte na carreira. “Para o aluno, aprender com gente cheia de gás e preparada com este viés prático faz imensa diferença”, avalia a especialista Claudia Costin, também presente ao evento, que enfatiza: “Precisamos mudar a formação de nossos professores no Brasil.”

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Muitos ali são arrebatados pela sala de aula e, passados os dois anos, acabam ficando na área da educação, 20% como mestres e outros 52% como coordenadores, diretores, pensadores de políticas e empreendedores na área. Autora do livro Radical, Michel Rhee, ex-Teach for America, sacudiu os pilares em escolas públicas da capital Washington, nos Estados Unidos, junto a toda uma turma saída do programa, com efeitos duradouros. Numa certa época, 10% dos diretores de colégio na cidade haviam frequentado o projeto, “A experiência para muitos deles é tão decisiva que decidem alçar voos mais longos no ensino”, conta Wendy.

A ideia é essa – criar um movimento tocado por cabeças abertas para os assuntos da sala de aula. “Queremos encher um Maracanã com fanáticos pela educação”, aspira Erica Bustow, que em 2017 trouxe o programa ao país com o nome Ensina Brasil. O plano de Erica não está lá tão distante assim. O pioneiro Teach for America já cravou o feito de reunir em um único estádio de futebol 15 000 desses fanáticos por tornar divertido e estimulante o percurso de aquisição do saber. Espalhada por redes públicas de sete estados, a versão brasileira contabiliza 120 000 alunos. “Fazemos operação de guerrilha nas universidades, ventilando a ideia e garimpando essa turma idealista e talentosa”, diz a CEO.

Cabe indagar por que essa geração que poderia almejar postos mais bem pagos na iniciativa privada acaba em salas de aula públicas, abarrotadas de mazelas. A opção tem muito a ver com o perfil dos que são pinçados no meio da multidão – eles enxergam nesta passagem como trainees em escolas cheias de necessidades uma chance de dar sua contribuição. Nos Estados Unidos, como em outros países, o carimbo do programa também enverniza o currículo, uma vez que é bem sabido e valorizado o que esses jovens realizam por lá.

Embalado pela filantropia, com dinheiro de fundações, ONGs, empresas e pessoas físicas, o Teach for All é uma prova de que o preparo e o entusiasmo de quem ensina pode fazer a garotada chegar longe. As evidências são de altos ganhos acadêmicos e desenvolvimento no terreno das requeridas habilidades socioemocionais – trabalho em equipe, criatividade e resistência aos obstáculos que vão brotando pelo caminho, entre outras. Um sinal claríssimo de como iniciativas que dão ao professor o protagonismo que ele merece podem fazer com que toda uma geração crave a nota 10.

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