“Meu voo está só começando”, diz 1º brasileiro negro formado em Harvard
Arthur Abrantes, 25 anos, fala que seu plano agora é empreender
Nasci e cresci em Paracatu, uma cidade pequena no interior de Minas Gerais. Sempre estudei em escola pública, a única opção possível para minha família. Depois, consegui entrar para um curso técnico em um instituto federal, e ali o nível da educação era alto. Até então, nem pensava em fazer faculdade. Primeiro, porque esse não era um horizonte para gente como eu, vinda de um ambiente mais humilde. A regra era terminar o colegial, quando desse, e ir direto procurar emprego. Mas no ensino médio comecei a cogitar uma graduação. Um dia, vi na TV uma pessoa contando como arranjou bolsa para fazer faculdade nos Estados Unidos. Aquilo me despertou. Corri então atrás de informação. Entendi de cara que o processo não era nada simples. O boletim e o currículo precisavam ser impecáveis, assim como o inglês. Eu era bom aluno, mas não à altura, e meu conhecimento do idioma estrangeiro era mínimo. Mesmo assim, botei na cabeça que ia estudar fora. E sabia que teria de me voltar 100% para esse objetivo.
Os anos seguintes foram uma maratona. Comecei a treinar inglês sozinho em aplicativos e passei a ver séries e filmes sem legenda. Acordava às 5h30 da manhã e ficava mais de uma hora no ônibus até chegar à escola. Tinha aulas em turno integral. E ainda seguia à noite na luta. Estudava física, química e matemática sem olhar o relógio. Eu me envolvi em competições científicas e participei de programas para jovens da embaixada americana. Meus pais me apoiavam, mas precisava de ajuda financeira, já que as provas para entrar nas universidades americanas são caras. Tentei, tentei, e uma fundação arcou com os custos dos processos seletivos. Em 2016, veio a ligação que transformaria minha vida: era da Universidade Harvard, avisando que eu havia passado com bolsa de 100%. Não quis contar para ninguém, com medo de ser trote. Estranhei o telefonema ter acontecido dois meses antes do previsto. Aí me disseram que eles entram primeiro em contato com seus candidatos favoritos. Uma honra. Logo fui chamado por Stanford e mais seis universidades.
Fiquei em Harvard, a Disneylândia da educação para mim. Aterrissei em um país estrangeiro pela primeira vez e esbarrei com gente de todo tipo e nacionalidade. Essa diversidade enriquece muito a experiência da faculdade. Além disso, a infraestrutura é impressionante e as oportunidades de projetos são imensas. Como o sistema é diferente em relação ao do Brasil, pude escolher o curso só depois de três semestres. Eu sabia que tinha mais afinidade com as exatas, mas me permiti mergulhar em diversas áreas. Acabei na computação e cursei, em paralelo, psicologia e francês. Minha rotina, apesar de intensa, não era sufocante. A autonomia é bastante valorizada em Harvard. Não tinha mais que oito horas de aula por semana. O restante era livre, para abrir espaço para ler, se aprofundar e se envolver com os grupos artísticos da instituição. Esse modelo foi fundamental para expandir minha visão de mundo.
Fui o primeiro brasileiro negro a me formar na graduação de Harvard e essa conquista significa muito. Tomara que sirva de exemplo para outras pessoas negras que, tendo dado de cara com tantos obstáculos, deixaram de acreditar que são capazes de chegar longe. Há dez anos, eu mesmo, se me dissessem que estaria onde estou, não acreditaria. O Brasil ainda tem à frente um longo percurso no campo das desigualdades social e racial, mas acredito que, aos poucos, os avanços irão se consolidar. Agora com meu diploma finalmente debaixo do braço, moro na Califórnia e trabalho como engenheiro de software em uma startup. Meu plano é empreender, criando uma empresa nos Estados Unidos ou no Brasil. Sinto que meu voo está só começando.
Arthur Abrantes em depoimento dado a Duda Monteiro de Barros
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799