Cresce o número de alunos que trocam a rede privada pela pública
A crise econômica dos últimos dois anos e o aumento expressivo do valor das mensalidades são os principais motivos
A educação está entre os setores mais afetados pela pandemia. Com a queda de renda dos brasileiros, observou-se no país um fenômeno inevitável. Nos últimos dois anos, as escolas particulares perderam quase 1 milhão de alunos, o que representa uma diminuição de cerca de 10% no total de matriculados. Mais do que isso: o movimento pôs fim a uma série histórica de crescimento. A educação infantil, etapa decisiva para a formação das crianças, foi determinante para esses números. Nesse grupo, houve 600 000 cancelamentos de matrículas, das quais 298 000 em creches e 308 000 na pré-escola — quedas de 21% e 25%, respectivamente.
Realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Censo da Educação Básica 2021 mostrou que, de 2017 a 2019, houve crescimento de 5,5% nas matrículas da educação infantil no país. De 2019 até o ano passado, no entanto, o ciclo virtuoso foi interrompido por uma queda de 7,3% nas entradas de alunos. A redução foi ocasionada principalmente pela rede privada, que teve queda de 17,7% no ano passado em relação a 2020 (decréscimo de 15,8% na creche e de 19,8% na pré-escola), enquanto a rede pública apresentou pequena redução de 1,5% no mesmo período (queda de 1,8% na creche e de 1,3% na pré-escola).
Duas razões principais explicam o tropeço. A primeira: o aumento das mensalidades das redes privadas associado à diminuição da renda fez com que muitas famílias desistissem de matricular seus filhos na escola particular para colocá-los na rede pública. Na crise financeira, corta-se de tudo — inclusive, os gastos com educação. Houve ainda um segundo motivo, de peso menor, mas que precisa ser posto na equação: a queda demográfica, ou seja, nascem menos crianças por família e, portanto, cai também a procura pelos bancos escolares.
Está claro que a pandemia de Covid-19 não terminou, gerando temores de que os hospitais possam encher novamente. Um indicador relevante foi dado pela empresa de gestão educacional Layers, que registrou aumento de 44% nos comunicados sobre a doença nas escolas com as quais trabalha desde o início do ano letivo até junho. Por essas razões, as famílias não definiram se vão fazer com que suas crianças voltem para a rede privada ou se vão mantê-las nas instituições públicas. Se a Covid-19 enveredar para níveis alarmantes — tudo indica que isso não ocorrerá, felizmente —, é certo que a recuperação econômica será mais lenta, e a retomada de renda igualmente deverá demorar.
Em tese, o fenômeno da transferência da rede privada para a pública não é ruim. “A migração não é um problema grave”, diz Priscila Cruz, presidente da organização não governamental Todos pela Educação. “O mais sério é a criança que não é matriculada, aquela que saiu da escola e, no pós-pandemia, não voltou para nenhuma das redes.”
A escola é um instituto personalíssimo. Tirar um filho das salas de aula é complexo, porque há um entorno que pesa: os amigos, os professores, o bairro e a própria organização familiar. Mas, insista-se, o custo é vital na tomada de decisões. As escolas particulares ficaram absurdamente caras nos últimos vinte anos, a ponto de comprometerem até 25% da renda das famílias. “Não há mais espaço para tolerar aumento da mensalidade”, diz Danilo Costa, fundador da Educbank, plataforma de financiamento para instituições de ensino.
A educação no Brasil pede cuidados. A percepção de que escolas particulares são parâmetro do ensino em todo o país é uma distorção, denunciada por muitos especialistas. Um indicador é a comparação com nações como o Vietnã, que criou um plano de longo prazo e, a partir de 2010, dirigiu 20% dos gastos públicos ao setor. “As notas dos nossos alunos de escolas privadas — as melhores e mais caras — são piores do que as dos alunos das escolas rurais de lá”, diz Priscila, do Todos pela Educação. Há que se rever a atenção e o dinheiro que se destinam ao setor como um todo. É onde reside o futuro do país.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801