Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Com mais aulas gravadas, cresce a turma que assiste à lição no modo rápido

A ferramenta cai como uma luva para as jovens e velozes gerações de hoje

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h50 - Publicado em 14 Maio 2021, 06h00

Com a pandemia e a obrigação de ficar em casa, esperava-se que a vida corrida entrasse no modo pausa. Em alguns aspectos, sobretudo nas atividades externas, entrou mesmo. Mas dentro de casa a constante demanda por produtividade e a enorme quantidade de conteúdos disponíveis a um clique pressionaram nas pessoas a tecla contrária, a da aceleração. Nas plataformas de streaming e nos celulares, os mais jovens, principalmente, embarcaram com entusiasmo no recurso que permite assistir a filmes e séries e escutar audiobooks em uma velocidade acima da normal — tudo, aparentemente, para sobrar tempo de assistir a mais filmes e séries e ouvir mais audiobooks. De tanto ser usada no entretenimento, a técnica acabou fazendo a inevitável travessia para as aulas on-line gravadas pelos professores — uma modalidade que já tem até nome em inglês, speed watching.

Cientes da tendência, aplicativos como YouTube, Google Meet e Zoom já oferecem ferramentas ou extensões que permitem ajustar o tempo gasto com uma gravação. Apertar o botão 2x, por exemplo, significa reduzir a duração do vídeo pela metade, com uma lição de uma hora sendo exibida em apenas trinta minutos. No 1,25x, ela dura 48 minutos, e no 1,5x, 40 minutos. “Uso esse método sempre que quero revisar algo perdido ou correr com a matéria. E posso dizer com tranquilidade que entendo perfeitamente os professores”, garante a carioca Mariana Barros, 22 anos, que cursa — a distância — engenharia de bioprocessos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

À primeira vista, acelerar aulas soa como um truque prejudicial ao aprendizado, mas não é bem assim. A ciência mostra que o cérebro humano padrão tem condições de se adaptar ao aumento de velocidade — até um certo ponto —, e o prejuízo só se faz sentir quando ele é ultrapassado. Se usado corretamente (leia no quadro), o ritmo aumentado pode até resultar, por incrível que pareça, em ganho de conhecimento — não pela aceleração em si, mas pelo tempo que sobra para estudar. Uma pesquisa da Universidade Stanford, na Califórnia, feita com base em mais de 6 000 alunos de cursos remotos, mostrou que aqueles que assistiram às videoaulas em modo 1,25x, ou 25% acima da velocidade original, obtiveram melhores resultados em suas notas finais. Mais: quem acelerou as exposições registrou menor taxa de abandono da classe e uso menos frequente da tecla de pausa, indicando maior concentração e interesse. “Não são todos os que se adaptam, mas nossa experiência demonstrou que a maioria pode se beneficiar da economia de tempo, principalmente se empregar os minutos poupados para ler ou fazer uma revisão do conteúdo”, diz o americano David Lang, um dos responsáveis pela pesquisa.

arte aula rápida

Na Universidade de Waseda, no Japão, testes semelhantes chegaram às mesmas conclusões, mas alertaram sobre o fato de que, se o ritmo for rápido demais, o resultado cai. O limite depende do nível de interesse pelo assunto ou da dificuldade da matéria, mas, segundo o estudo, o recomendável é parar no 1,5x. Gabriela Catão, 24 anos, estudante de ciências fundamentais para saúde da Universidade de São Paulo (USP), procura adequar a velocidade à cadência de fala dos professores e à complexidade dos temas, e ressalta uma vantagem extra na aceleração: poder ficar menos tempo na frente da tela do computador, já que passa, em média, dez horas por dia conectada. “Faço reuniões para projetos, chamadas com os amigos e ainda acompanho a faculdade. Por isso, sempre que posso acelero os vídeos para descansar depois”, diz ela.

Continua após a publicidade

Embora a quarentena prolongada tenha elevado a conexão dos jovens às últimas consequências, eles já nasceram grudados em aparelhos eletrônicos, convivendo com um turbilhão diário de informações oferecidas pela internet. Foi exatamente essa exposição, junto com a capacidade do sistema nervoso central de se moldar a novas experiências, que desenvolveu na turma de menos idade — da escola à universidade — a habilidade de adquirir conhecimento a partir de conteúdos exibidos de forma mais rápida. “O processo de aprendizado e memorização nada mais é do que neurônios fazendo novas conexões e reproduzindo os disparos elétricos no futuro”, explica Ariovaldo da Silva Jr., neurocientista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A nova geração está exercitando o que chamamos de fenômenos neuroplásticos — uma maneira mais efetiva e veloz de criar essas conexões.” O estudante Thiago Vieira, 16 anos, cursa o 1º ano do ensino médio na Escola Waldorf, em São Paulo, e está tão acostumado a acompanhar as aulas no modo rapidinho que estendeu o hábito aos momentos de lazer, como ouvir música. “Eu acabei gostando da velocidade”, diz.

Mais do que acelerar gravações, o que preocupa os especialistas é a constante sensação de urgência nas tarefas do dia, manifestação da ansiedade gerada pelo grande volume de estudos ou pela pressão de realizar além do que se é capaz. “Devemos tomar cuidado para não exigir demais dos jovens e produzir adultos desacostumados com o curso natural dos fatos”, alerta o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez. Os educadores ressaltam ainda a importância de os alunos manterem a atenção nas lições e nos debates ao vivo. “O processo de aprendizado é mais do que a transmissão de conhecimento. Ele engloba também a troca de ideias e a formação do senso crítico”, frisa Michelle Prazeres, professora da Faculdade Cásper Líbero e organizadora do movimento Desacelera SP. A vida no modo acelerado não deve ser adotada se o tempo que sobra for dedicado simplesmente a acelerar ainda mais.

Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.