As escolas analisam os danos da interrupção das aulas presenciais
A ideia é conseguir retomar o ritmo do aprendizado; mas ainda paira a dúvida: o semestre letivo valerá?
Muito se escuta nestes tempos de pandemia uma angústia compartilhada por pais que têm filhos em idade escolar: afinal, eles estão aprendendo algo em casa ou o efeito das aulas dadas a distância é limitado? A resposta não chega a trazer grande alento, mas dá a perspectiva do desafio que se avizinha quando os portões reabrirem. Mesmo que o colégio se esmere — e alguns estão tentando para valer —, não é possível saber quanto cada um está absorvendo no sistema de lição virtual, à base de exercícios e videoaulas no computador. A maneira de aferir isso seria aplicando a boa e velha avaliação — caso houvesse alguma adaptada a estes dias de reclusão. Mesmo sem um termômetro para medir o aprendizado, porém, é seguro afirmar que, ao suprimir os ritos que definem a própria escola — o mestre que guia a criança pelas trilhas do saber, o choque de ideias na classe, a cooperação e o convívio social —, a vida estudantil empobreceu por ora. Mas calma lá. “Este período pode ser recuperado, ainda que demore e dê trabalho. Vai depender de como as escolas se movimentarão para compensar o prejuízo”, diz Maria Helena Castro, do Conselho Nacional de Educação.
Algumas estratégias já estão sendo debatidas, dentro e fora do Brasil, para mitigar os inevitáveis estragos acadêmicos. Uma delas é, ao receber os estudantes de volta, testá-los com toda a atenção para entender o patamar em que verdadeiramente se encontram e, assim, traçar um plano. Nos Estados Unidos, discute-se até uma polêmica medida de separar em séries diferentes os que ficaram para trás daqueles que conseguiram aprender bem na quietude do lar. Consenso mesmo é a ideia do reforço escolar, do qual todos precisarão em algum grau. E isso exigirá inevitavelmente aulas extras. “Transmitir o conteúdo é a parte fácil, mas como monitorar a atenção e o aprendizado do aluno em tempo real a distância?”, questiona Vinícius de Paula, coordenador do colégio Anglo, em São Paulo, certo de que uma parte da turma não está tirando todo o proveito deste ciclo cheio de chuvas e trovoadas. “Não me preocupa que eles passem de ano, mas sim se ficarão com uma defasagem que os atrapalhará ao longo dos anos”, pondera a gerente de vendas Ana Carolina Briganti, mãe de filhos de 3, 7 e 9 anos que estudam em escolas particulares de São Paulo.
Aprender na reclusão do lar exige habilidades que crianças e adolescentes estão tendo de desenvolver ao ritmo da necessidade, como uma extrema capacidade de se organizar e se virar sem ter o mestre ao lado. E, quando a casa se converte em escola, os pais acabam, com mais ou menos intensidade, se envolvendo no processo. É altamente recomendado, aliás, que não caiam na tentação de bancar o professor, embora, no caso dos menores, a participação familiar possa ser decisiva para suavizar as perdas. “Na fase de alfabetização, a fluência de leitura e escrita pressupõe o contato com a língua em seu uso social, e, sem a escola, isso fica bem mais limitado”, observa a pedagoga Ana Paula Gaspar. O Colégio Pueri Domus, de São Paulo, promove encontros (a distância, como manda o figurino da prevenção ao vírus) entre professores e pais, que recebem atividades para realizar junto com os filhos. Nem todos conseguem. “Se fizerem, será bem-vindo, mas não podemos contar com isso”, reconhece a diretora-geral da rede Pueri Domus, Christina Sabadell.
Esse tipo de obstáculo ajuda a dimensionar quanto de empenho será demandado de todos para que não se comprometa a trajetória acadêmica de toda uma geração. A aquisição de conhecimento é gradativa, e, se o aluno tropeçar num ponto e não sanar esse gargalo, dificilmente conseguirá ir bem no patamar seguinte. Não dá, portanto, para atropelar as lacunas que aparecerão. “Os danos pedagógicos causados por grandes crises, como guerras, desastres naturais e agora a pandemia, podem se fazer sentir por anos e minimizá-los terá de ser encarado como prioridade máxima”, enfatiza Tatiana Filgueiras, vice-presidente de Educação e Inovação do Instituto Ayrton Senna.
Na vida prática, isso significa fazer o que recomenda a Undime, órgão que reúne as escolas municipais: quando a normalidade chegar, os colégios deverão repor as aulas presencialmente, ainda que adentrem as férias de dezembro e janeiro. Calejada devido a greves em série, a rede pública é experiente em ajustar calendários, mas tem a franca desvantagem de contar com alunos que, neste momento, têm menos acesso a um bom ensino virtual. Na rede particular, também é consenso que o esforço extra será necessário. As aulas virtuais são, oficialmente, consideradas válidas, mas famílias e instituições seguem preocupadas, e com razão. A tirar pelo empenho de coordenadores e professores, na urgência do confinamento, tudo indica que o ano letivo não será perdido.
Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683