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Bola dentro: O impacto das SAFs no mercado de futebol do Brasil

Dentro e fora de campo, os clubes que adotaram o modelo de SAF diminuíram a distância em relação a equipes que, historicamente, arrecadam mais

Por Pedro Gil 30 jun 2024, 08h00

O ex-jogador de futebol Ronaldo Fenômeno, agora um empresário de sucesso, inaugurou no Brasil a segunda onda dos clubes-empresa, ao vender em abril o Cruzeiro para o empresário Pedro Lourenço, o Pedrinho, dono da rede Supermercados BH. Isso significa que as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), que começaram a ser formadas em 2021, já estão numa rodada de renegociação. São os clubes de segunda mão. Apesar da sugestão, o termo não é, nem de longe, negativo. A operação de venda do Cruzeiro, por exemplo, foi proveitosa para o Fenômeno, que repassou 90% do controle da SAF ao empresário do varejo. O valor do negócio foi de 600 milhões de reais. Na compra, Ronaldo havia pago cerca de 400 milhões de reais, entre aportes diretos e indiretos. Um lucro de 50% em três anos. Foi uma valorização relevante fora e dentro de campo: a Raposa, após anos na Série B, voltou para a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro. E, mesmo sem títulos, passou a rivalizar na contratação de jogadores cobiçados com clubes como Palmeiras e Flamengo. “Você vê o Cruzeiro com essa estrutura, e é um motivo de muito orgulho para mim, que estou chegando agora”, afirmou Lourenço durante anúncio da negociação em coletiva de imprensa.

Em 2023, a Sociedade Anônima do Futebol do Cruzeiro registrou uma receita bruta de 244 milhões de reais, 62% mais em comparação ao ano anterior, quando o valor foi de 150 milhões de reais.

A grande diferença do novo modelo empresarial do futebol para o dos antigos clubes-empresa, constituídos nas formas de S.A. tradicional e companhia limitada, é que a SAF tem uma tributação mais vantajosa, além de oferecer maior transparência, com regras claras de governança e com fiscalização pela CVM, o que deixa o negócio mais interessante e seguro para os investidores. Outra diferença para as demais modalidades de empresa diz respeito ao pagamento das dívidas. A SAF tem a obrigação de pagar os credores em até dez anos.

Com mais de 2 bilhões de reais em dívidas, o Atlético-MG foi outro clube que não teve escolha se não “privatizar” a gestão. Era isso ou a bancarrota, a irrelevância. A Galo Holding, composta pela família Menin, dona da construtora MRV, Ricardo Guimarães, presidente do banco BMG, e dois fundos de investimento, comprou 75% do clube por 600 milhões de reais — e assumiu a totalidade da dívida. Em um ano, houve redução do débito de 2,1 bilhões para 1,4 bilhão de reais. “O fluxo operacional, que é a renda do clube excetuando-se vendas de atletas, sempre foi historicamente deficitário”, diz Bruno Muzzi, presidente do Atlético-MG. Para este ano, a expectativa é que o fluxo operacional seja levemente superavitário e o fluxo de investimentos, que é quanto o clube coloca no futebol, fique no 0 a 0. Para isso, o Galo terá de realizar 35 milhões de reais em vendas de atletas no ano. “Precisa acontecer”, diz Muzzi. Até aqui, a estratégia de austeridade deu bons resultados. No mesmo período, o clube mostrou um superávit de 142 milhões de reais.

O cartola Textor: dono do Botafogo, ele foi chamado a depor em CPI
O cartola Textor: dono do Botafogo, ele foi chamado a depor em CPI (Thiago Ribeiro/AGIF/AFP)

O Botafogo é outro bom exemplo de gestão empresarial. Em 2021, o empresário americano John Textor fechou um acordo para se tornar o acionista majoritário do Botafogo, adquirindo 90% das participações no clube por 52 milhões de libras — cerca de 400 milhões de reais. O Botafogo, que também amargava resultados pífios dentro e fora de campo, passou a disputar títulos e fazer contratações de impacto — neste momento, está entre os líderes do Brasileirão, como esteve na última edição.

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Deu errado: no Vasco, briga nos tribunais com ex-dona se reflete no campo
Deu errado: no Vasco, briga nos tribunais com ex-dona se reflete no campo (Filipe Reveles/Photo Premium/Folhapress/.)

Apesar da boa gestão, Textor destoa no estilo pessoal, que lembra, em muito, os antigos cartolas falastrões e de postura espalhafatosa do futebol brasileiro. Desde 2023, após o Botafogo não ter conseguido manter a liderança e ver o Palmeiras ultrapassá-lo na classificação do Campeonato Brasileiro nas últimas rodadas, ele tem feito inúmeras acusações pela imprensa de o campeonato ter sofrido com manipulações de resultados e erros de arbitragem, pelos quais sua equipe teria sido prejudicada. Textor e Leila Pereira, presidente do Palmeiras, trocam farpas. Uma CPI criada no Senado o chamou para depor. As “provas”, entretanto, não passaram de um frágil relatório de uma consultoria americana que compara, usando inteligência artificial, gestos de atletas em lances de gol a movimentos arquivados em bancos de dados.

Em tempos de disparidade econômica entre clubes associativos bem geridos, como Flamengo e Palmeiras, a adoção da Sociedade Anônima do Futebol surge como opção para diminuir o desequilíbrio entre times que arrecadam muito com torcida e marketing. É esse o caso do Fortaleza e do Cuiabá. O Fortaleza se transformou em SAF em setembro de 2023 e caminha para ter novos parceiros. Já foram abertas conversas com pelo menos dez interessados desde o segundo semestre do ano passado. O clube aguarda uma oportunidade que, se não for perfeita, se aproxime disso. O modelo, entretanto, será um pouco diferente dos rivais. O Fortaleza não abre mão de ter a maior “fatia do bolo” das ações, sendo o sócio majoritário em caso de um acerto no futuro. “Se a gente não agregar parceiros, vamos ficar para trás”, diz Marcelo Paz, presidente do Fortaleza. “A SAF possibilitou que clubes em dificuldade, como nós éramos no passado, atraíssem capital.” Até aqui, a gestão tem sido bem-sucedida: o time cearense chegou à final da Copa Sul-Americana, se classificou para a Copa Libertadores e colecionou boas posições na elite do futebol brasileiro. Há poucos anos, o Fortaleza disputava a Série C.

Fortaleza: o clube que se destaca no Nordeste quer um novo modelo de gestão
Fortaleza: o clube que se destaca no Nordeste quer um novo modelo de gestão (Damasceno/Photo Premium/Folhapress/.)

Já a gestão do Cuiabá, na prática, pouco mudou. O clube sempre foi de propriedade da família Dresch, dona da indústria de borracha Drebor. A intenção de virar SAF foi uma manobra puramente fiscal. Como clube-empresa, os impostos eram pagos em regime de lucro real, com alíquota de cerca de 23%. Quando virou SAF, o Cuiabá passou a pagar apenas 5% e teve direito a um período de isenção de impostos sobre venda de atletas — cinco anos. “Virar SAF, na prática, não mudou nada. Sempre fomos um clube de dono”, afirma Cristiano Dresch, presidente do Cuiabá. “Mas, com esse incentivo fiscal, a nossa receita foi incrementada em 15%.”

Adotar o modelo de SAF, apesar dos bons exemplos, não é sinônimo de sucesso. A 777 Partners, que comprou o controle acionário do Vasco, foi afastada da gestão. A justificativa é que a 777 enfrenta processo por fraude nos Estados Unidos e não vem honrando compromissos financeiros no exterior, o que faz a situação do Vasco ser temerária. Recentemente, a Justiça do Rio de Janeiro transferiu o controle da SAF para o Vasco, retirando-o das mãos da 777. A empresa recorreu, mas não conseguiu reverter a decisão. O caso está em arbitragem — e não terá resolução antes de 2026.

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Homem forte do varejo: Pedrinho BH comprou o Cruzeiro
Homem forte do varejo: Pedrinho BH comprou o Cruzeiro (./Divulgação)

O Coritiba apresenta mais uma situação emblemática. Em junho de 2023, o clube concretizou a venda de 90% da SAF à Treecorp Investimentos por 1,1 bilhão de reais. No mesmo ano, o desempenho dentro de campo não acompanhou a reestruturação em curso e o Coritiba caiu para a Série B do Brasileiro. “Só nós viramos SAF ainda na Série A. Isso complicou o processo”, afirma Carlos Amodeo, presidente do Coritiba. “A Série B é um ambiente mais propício para alterações e (obtenção de) resultados mais rápidos.”

Leila Pereira: a presidente do Palmeiras se tornou alvo de Textor
Leila Pereira: a presidente do Palmeiras se tornou alvo de Textor (Ricardo Moreira/Getty Images)

Gestões profissionais em clubes de futebol já são comuns há muito em países como Espanha e Inglaterra, o que permitiu um salto de qualidade competitivo, dentro e fora de campos. Já era sem tempo de o Brasil tomar o mesmo caminho. Em pouco mais de dois anos desde que esse modelo foi autorizado pelo governo, os resultados são mais positivos do que negativos. O país do futebol merece.

Publicado em VEJA, junho de 2024, edição VEJA Negócios nº 3

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