Walcyr Carrasco: por uma etiqueta do WhatsApp
Está na hora de criar boas maneiras nas conversas pelo celular
Estou conversando com um amigo. De repente, vem uma notificação. “Preciso falar com você.” Sinto urgência. Peço licença e respondo. A pessoa quer a indicação de um acupunturista. Forneço o telefone. Mas ela continua: “Tudo bem com você?”. Respondo que sim. “Que tem feito?” Tento encerrar a conversa. Digo que continuo como sempre, escrevendo, lendo… Ela reclama: “Você está frio”. Explico que não. Só estou no meio de um papo ao vivo. Rapidamente, falo com meu amigo, do outro lado da mesa. Tento dizer que estou tendo um problema no celular. Ele não ouve. Está no próprio WhatsApp. Volto à minha mensagem. Leio: “Você está estranho”. Perco a paciência: “Não estou estranho. Só que você me pegou no meio de uma conversa. Preciso me despedir”. Vem a resposta: “Assim, de repente?”. Sou um homem prático. Simplesmente, digo: “Abração”. E saio do meu Whats. O amigo à minha frente entrou no dele. Ele acena com a mão. Sorri. Mas não para mim. E sim para a pessoa com quem está conversando pelo Whats. Passo os próximos quinze minutos com cara de paisagem enquanto ele dá risinhos, escreve. Nós nos despedimos por gestos, e ele continua no celular.
O WhatsApp é invasivo. É como se alguém entrasse na minha sala, se sentasse no sofá e exigisse toda a atenção. Sem nem querer saber se estou disponível. Pior é quando alguém que está com você fica no Whats. Dou o exemplo. Uma vez tentava falar com um amigo. Ele no Whats. Pelas exclamações, compreendi que não estava comigo em São Paulo, mas na sala da mãe, em Santa Catarina. Discutindo. Só o corpo permanecia na minha frente.
“Não vivo acorrentado ao celular. Tenho o direito de cuidar do meu tempo. O Whats está virando uma neurose. É uma praga do nosso tempo”
Gosto de ler. Boto o celular de lado, mergulho no livro. Quando abro o WhatsApp, são muitas as reclamações: “Você não vai me responder? O que houve?”. Se mandam uma mensagem, querem resposta imediata como se eu dedicasse a vida a olhar a telinha do celular. Também é insuportável a maneira como as pessoas se dedicam ao WhatsApp enquanto eu estou na frente delas, esperando a hora de falar. Eu, que estou lá, ao vivo, sou o último da fila para conversar!
Para piorar, há as mensagens de voz. Odeio. Não ouço. Se vejo que alguém está gravando um áudio, aviso: “Não ouço mensagens de voz”. As pessoas insistem. Esses dias, um amigo pediu: “Ouve depois”. Falta de educação. Acho o maior tédio ouvir um áudio. Ainda mais os intermináveis! Também reclamam se eu visualizo e não respondo. Oras, por que sou obrigado a responder imediatamente? “Você estava on-line e não falou comigo.” Gente, a maior parte das pessoas passa o tempo todo on-line!
Está na hora de criar boas maneiras no celular. Se alguém não quer mensagens de voz, não mande. Se está com uma pessoa, deixe para responder as próprias mensagens depois. Se você tenta contato e o outro diz que está ocupado… por que agir como se fosse uma afronta pessoal? São limites que o bom-senso pode traçar. Não vivo acorrentado ao celular. Tenho o direito de cuidar do meu tempo como achar melhor. O WhatsApp está virando uma neurose. É uma praga do nosso tempo.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665