Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Romance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel Cusk

Com livro sobre a vida de uma autora como ela própria, a escritora usa a sutileza e a contenção como armas

Por Eduardo Wolf
Atualizado em 4 jun 2024, 15h42 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

Escritores tornaram-se personagens recorrentes na literatura contemporânea. De Philip Roth a Elena Ferrante, o recurso a protagonistas que espelham muitas situações compartilhadas com os autores reais, forçando os limites entre o literário e o biográfico e jogando com a percepção dos leitores, já foi tão empregado que hoje é parte da paisagem literária tanto quanto o todo-poderoso narrador realista ao modo de Flaubert no século retrasado. Pois a escritora Rachel Cusk conseguiu conferir um renovado frescor a esse procedimento. Trânsito, o mais recente lançamento no país dessa canadense radicada na Inglaterra, é a sequência de uma trilogia iniciada com o cultuado Esboço. Assim como seu antecessor, é centrado em uma narradora e protagonista, Faye — escritora, recém-divorciada e lidando com as novas variáveis apresentadas pela vida. Não faltou quem reconhecesse as semelhanças com a vida de Cusk, até mesmo nos detalhes da separação e do ensino de escrita criativa, atividade a que efetivamente se dedica e presente nos dois romances.

+ Compre o livro Trânsito, de Rachel Cusk

Nada de novo? Engano. A autora extrai dos elementos mais banais da vida — um e-mail de uma astróloga ou um jantar com uma amiga — a matéria para sua meticulosa construção ficcional, com linguagem sempre calculada, medida e expressiva. A marca de Cusk resulta de um par de combinações interessantes. Em Trânsito, a história de Faye (cujo nome é mencionado apenas uma vez) é apresentada ao leitor a partir de uma sucessão de instantâneos de sua vida, tirados em momentos aparentemente desconexos, tendo por único cimento a informação de seu divórcio e a mudança de volta para Londres, onde comprara um flat em péssimo estado.

CAPA-LIVRO—TRANSITO—RACHEL-CUSK.jpg
TRÂNSITO, de Rachel Cusk (tradução de Fernanda Abreu; Todavia; 200 páginas; 59,90 reais e 36 reais na versão digital) – (./.)

A certa altura da narrativa, Faye está com seu grupo de alunos de criação literária. Enquanto os estudantes falam, seu olhar é atraído para a janela, na qual se descortina uma paisagem de nuvens indecifráveis, como se fosse “um lugar de estase onde não havia movimento ou avanço, nenhuma sequência de acontecimentos que pudesse ser estudada por seu significado”. Na sequência da mesma passagem, Faye oscila da reflexão sobre a paisagem exterior para a falatório das alunas (predominantes) e alunos na sala, indagando-­se: “Escutava os alunos falarem e me perguntava como eles podiam acreditar tanto na realidade humana para construir fantasias em relação a ela”. Da combinação de ausência dessas ilusões com o rigor da prosa, Rachel Cusk fortalece sua capacidade narrativa para fazer do encontro de Faye com um ex-namorado ou de um jantar na casa de seu primo o tipo de material de que precisa para sua literatura: uma escrita dócil na superfície, mas controlada ferozmente.

+ Compre o livro Esboço, de Rachel Cusk

Continua após a publicidade

+ Compre o livro As Variações Bradshaw, de Rachel Cusk

Ainda assim, o forte de sua prosa reside em outra característica: ao contrário da maioria da ficção que exibe escritores como protagonistas, a narradora dos romances de Cusk pouco fala de si, e não infecta a página como nas incessantes viagens egóticas que marcam muito da literatura de seus pares. O relato de Faye apresenta ao leitor a vida dos outros e, assim fazendo, apenas deixa entrever a sua própria. Se Cusk tem razão em dizer, como diz, que há certa crise do romance e das formas narrativas, parece que o antídoto que encontrou é terapêutico: ouvir mais e falar menos de si.

VEJA RECOMENDA | Conheça a lista dos livros mais vendidos da revista e nossas indicações especiais para você.
Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

Continua após a publicidade
Romance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel CuskRomance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel Cusk
Trânsito, de Rachel Cusk
Romance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel CuskRomance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel Cusk
Esboço, de Rachel Cusk
Continua após a publicidade
Romance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel CuskRomance ‘Trânsito’ comprova talento narrativo da canadense Rachel Cusk
As Variações Bradshaw, de Rachel Cusk
logo-veja-amazon-loja
Continua após a publicidade

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.