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Quem sabe faz ao vivo: rede social Twitch cai no gosto dos jovens

Plataforma conquista o público com transmissões em tempo real de partidas de videogames, competições esportivas e tudo o que se possa imaginar

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h24 - Publicado em 16 jul 2021, 06h00

De tempos em tempos, uma nova rede social cai no gosto do público por trazer algum aspecto que não estava contemplado nas plataformas até então disponíveis no mercado. No ano passado, a chinesa TikTok angariou milhões de fãs ao abrir espaço para vídeos curtos, as famosas dancinhas animadas. Mais recentemente, a Clubhouse, um misto de sala de bate-­papo e programa de rádio, virou queridinha entre famosos (mas já dá sinais de esgotamento). A febre atual é a Twitch, uma espécie de streaming combinado com rede social que se apresenta aos seguidores como a TV do futuro. Megalomanias à parte, a Twitch tornou-se, de fato, um fenômeno global ao explorar o charme das transmissões ao vivo, em um ambiente de vigorosa interação entre espectadores e apresentadores.

Criada em 2011 como um espaço preferencial para jogadores de videogame, a Twitch permaneceu durante um bom tempo como um produto de nicho. Na pandemia, teve uma explosão de audiência, especialmente entre os mais jovens. Hoje em dia, tem mais de 140 milhões de usuários únicos mensais. No primeiro trimestre, o número de horas assistidas atingiu o recorde de 6,34 bilhões, mais que o dobro do tempo que os usuários passaram no YouTube Gaming Live e no Facebook Gaming.

arte Twitch

Gaules, nome de guerra de Alexandre Borba na internet, entrou para a Twitch em 2018. Diagnosticado com depressão, o veterano do eSports, como são chamadas as competições de jogos eletrônicos, encontrou na plataforma uma atividade terapêutica. Por meio do chat, conseguia jogar e conversar com as pessoas que assistiam a ele. No começo, dormia de dia e entrava madrugada adentro com suas lives de Counter-­Strike, videogame de tiro em primeira pessoa que lhe trouxe fama nesse universo. Um ano depois, a doença cedeu e a rotina entrou nos eixos. Na pandemia, ele viu a oportunidade de devolver aos espectadores a atenção e a companhia que havia recebido. Começaram, então, transmissões de até quinze horas por dia, que se tornaram rotina. “No início, não sabia quanto duraria tudo aquilo”, disse ele a VEJA. “Com o tempo, vi que se tratava de uma guerra e que ficaria ao lado dessas pessoas, porque sabia que algumas delas precisavam de mim, como eu precisei antes.”

FUTEBOL - Casimiro Miguel, o Cazé: o narrador profissional faz lives comentando jogos, mas sem exibir imagens oficiais -
FUTEBOL - Casimiro Miguel, o Cazé: o narrador profissional faz lives comentando jogos, mas sem exibir imagens oficiais – (Twitch/Reprodução)

Com 2,83 milhões de seguidores e 36 400 assinantes, o canal de Gaules na Twitch está entre os mais populares do mundo. No ano passado, o streamer, nome dado às pessoas que fazem lives na internet, ficou em segundo lugar no ranking global da plataforma, com 133 milhões de horas assistidas. Entre janeiro e junho, ele bateu o próprio recorde, com um aumento de 27% da audiência em relação ao mesmo período do ano passado.

O crescimento espelha a explosão mundial da plataforma criada como um braço da Justin.tv, dos americanos Justin Kan e Emmett Shear, com foco nos games ao vivo — um mercado que gera 137,8 bilhões de dólares em receitas anuais. Em 2014, a Amazon adquiriu o negócio por 970 milhões de dólares. Entre outros motivos, porque Jeff Bezos, fundador do gigante de tecnologia, queria uma rede social para chamar de sua. Há três anos, outras atividades, como transmissões de jogos da NBA, comentários políticos e até programas de namoro, entraram no cardápio, tornando a Twitch um hub de entretenimento ao vivo. Nesse período, o conteúdo não relacionado a jogos quadruplicou.

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arte Twitch

Gabriela Cattuzzo, ou Gabi, como é conhecida na Twitch, faz parte do grupo de streamers que até joga ao vivo na plataforma, mas não tem nos videogames a sua atividade principal. Natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, ela veio a São Paulo para fazer faculdade, só que trancou a matrícula do curso de direito para se dedicar, ao menos por enquanto, às lives. A jovem de 24 anos é conhecida por transmitir conteúdos variados, como dicas de culinária e maquiagem. Ela também faz as chamadas IRL, sigla para a expressão em inglês in real life (na vida real), lives transmitidas do celular que mostram aspectos da rotina, como um simples passeio na rua ou a ida ao supermercado. “Sou acompanhada por pessoas que se interessam por mim e não por um jogo”, diz. “Tive de aprender a ser uma apresentadora para atrair a atenção das pessoas.” Com 565 000 seguidores, sua estratégia funcionou.

NO AR - Gabriela Cattuzzo: ela trancou o curso de direito para ser apresentadora -
NO AR - Gabriela Cattuzzo: ela trancou o curso de direito para ser apresentadora – (Twitch/Reprodução)

A Twitch é um fenômeno que tem várias explicações. Do ponto de vista tecnológico, os equipamentos evoluíram muito, com smartphones que trazem câmeras poderosas, capazes de transmitir imagens claras e nítidas. O aumento da velocidade de banda larga e a chegada do 5G também contribuíram para que as lives ganhassem qualidade e estabilidade. Tudo isso, mais os chats integrados que permitem interação entre streamers e seguidores, fecha a equação. “É como se juntasse rádio a TV ao vivo, mas com interatividade instantânea”, compara o streamer Gaules.

Há outros pontos de atração, dizem os especialistas. Um deles é a relativa facilidade para ganhar dinheiro na plataforma. Para isso, no entanto, é preciso ascender à condição de afiliado e, depois, à de parceiro. Os espectadores são divididos entre seguidores normais, com acesso ao vídeo e aos chats, e subs (de subscribers, assinantes em inglês). Esses últimos pagam um valor mínimo de 4,99 dólares para ajudar aos apresentadores, e por isso têm algumas regalias. Outra forma de incentivar os streamers é por meio da doação de bits, moeda interna da plataforma, cuja unidade vale 5 centavos de real. A grande conquista são os patrocínios de empresas, inseridos, na maior parte das vezes, de forma orgânica e não invasiva durante as lives.

BASQUETE - Gaules: a popularidade levou a contrato com a NBA -
BASQUETE - Gaules: a popularidade levou a contrato com a NBA – (Voctor Pollini/.)

De acordo com Gabi, cujo canal tem cerca de 3 000 assinantes, os descontos aplicados ao valor obtido com assinaturas e doações de bits são altos. “No fim, é uma parcela pequena que vem para nós”, diz ela, que completa sua renda com campanhas publicitárias. “Com tudo isso, posso dizer que consigo viver bem.” O mesmo se dá com Gaules, que recentemente assinou contrato com a NBA para transmitir jogos da liga americana de basquete em seu canal, mesmo sem ter grande conhecimento do esporte — em geral, ele é acompanhado de especialistas nas lives. Como segredo é a alma do negócio, a Twitch não revela porcentagens e valores repassados aos afiliados e parceiros. Em contrapartida, garante que destina aos streamers da casa bem mais do que 5% a 10% dos dividendos, faixa na qual trabalham outros concorrentes, como o YouTube.

Atualmente, o maior público da Twitch se concentra na faixa dos 16 aos 24 anos, o que se explica por ser um terreno neutro, onde não há parentes vigiando como em outras redes, como o Facebook. Mesmo assim, não é uma terra sem lei. Prevalece um ambiente colaborativo e muito respeitoso, outra característica marcante da plataforma. E isso vale inclusive para Jair Renan, filho do presidente Jair Bolsonaro, que no ano passado foi banido por violar os códigos de conduta da rede ao negar a existência da pandemia durante uma transmissão. “Cria-se, assim, um ambiente de respeito”, diz Bruno Portela, professor de estratégia, comunicação, marketing e empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. “Tem liberdade sem censura e sem agressividade.”

FUNDADORES - Emmett Shear e Justin Kan: eles viram o potencial das lives -
FUNDADORES – Emmett Shear e Justin Kan: eles viram o potencial das lives – (Mathew Sumner/the Chronicle/.)

O Brasil, sempre afeito às inovações tecnológicas, está na mira da Twitch. A empresa triplicou o tamanho de sua equipe local e pretende anunciar novidades no futuro. O diretor comercial, Phil Chaves, diz estar trabalhando para trazer transmissões de competições como a NFL e outras ligas estrangeiras, além de criar conteúdos próprios. O futebol, que aparece em transmissões indiretas como as do narrador da TNT Sports Brasil e do SBT Casimiro Miguel, só é permitido se não forem exibidas imagens das partidas, o que nem sempre ocorre. “Estamos trabalhando com as entidades competentes para ver o que é possível fazer”, garante Chaves. Enquanto isso, os 26 milhões de canais disponíveis conquistam cada vez mais fãs. No universo das redes sociais, a Twitch está brilhando — pelo menos até que outra novidade apareça.

Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747

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