Psiquiatra critica métodos usados em clínica de ‘O Outro Lado’
Especialista aponta "erros grosseiros" na cena da internação involuntária de Clara (Bianca Bin), exibida nesta terça-feira
A novela O Outro Lado do Paraíso, da Globo, teve ao menos um capítulo reprovado por psiquiatras. Em uma cena crucial exibida na última terça-feira, a inocente professora Clara (Bianca Bin) é internada contra a vontade em uma clínica, por artimanha da sogra Sophia (Marieta Severo), que quer explorar as terras de sua família em busca de esmeraldas, e logo submetida a um tratamento de eletrochoque conhecido como ECT. Para a psiquiatra Analice Gigliotti, Chefe do Setor de Dependência Química e outros Transtornos do Impulso da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, o folhetim cometeu “erros grosseiros” ao abordar o tema.
“A ECT é um tratamento bastante utilizado e indicado em casos específicos”, explica a especialista. “Esse procedimento nunca seria a primeira intervenção a ser realizada num paciente sem uma análise prévia e rigorosa da situação. Além disso, o procedimento é feito com eletrodos no cérebro, que não são sentidos pelo paciente. Ele permanece anestesiado e não se move no procedimento.” Tudo diferente do ocorrido na novela.
Na trama da novela, Clara é manipulada pela sogra. Depois de dopada e de apresentar comportamentos delirantes, ela é diagnosticada com “esquizofrenia paranoide” e internada. Na clínica isolada do mundo, passará dez anos sofrendo maus tratos — e longe do marido e do par romântico, o filho da maldosa Sophia que não sabe dos planos da mãe.
O fato de a clínica onde a vilã internou a nora aceitar, sem questionar, o diagnóstico trazido na bagagem também é criticado por Analice Gigliotti. Segundo a psiquiatra, o estabelecimento deveria primeiro submeter a paciente a uma entrevista. Da mesma forma, aplicar a eletroconvulsoterapia sem uma avaliação prévia da própria clínica vai contra as normas atuais. A exigência do uso de anestesia e da realização de um eletrocardiograma antes da aplicação são obrigatórias desde 2002, quando o Conselho Federal de Medicina normatizou a prática.
“A ECT não se aplica em pacientes que ainda não passaram por tratamento farmacológico”, afirma. “Quando é o caso, ele é anestesiado, justamente para não convulsionar.” Analice ainda vê exagero na abordagem, com cinco enfermeiros, a uma paciente que resistia a ser internada, mas não demonstrava agitação violenta.
Para completar, o diagnóstico de esquizofrenia paranoide não significa necessariamente uma internação. “Somente pacientes que apresentam risco à própria vida ou a de terceiros podem ser internados involuntariamente”.
Ela acredita que a novela presta um desserviço ao público geral. “Tenho certeza de que se trata de uma ficção, mas uma abordagem dessas coloca a perder todo o trabalho que temos de desmitificar o tratamento psiquiátrico.”