Prêt-à-postar: a aposta das grifes em modelos virtuais para as redes
As peças são criadas para serem aplicadas na foto e exibidas na internet. Quanto mais exclusivas, mais caras elas são
Tempo e dinheiro em volumes significativos têm sido investidos no ponto alto do dia de muita gente, aquele em que se posta uma foto ou vídeo novo nas redes sociais, com aparência impecável e roupa e sapatos escolhidos a dedo. Em nome da economia, da praticidade, do espaço no closet e até do meio ambiente, grifes moderninhas mundo afora estão introduzindo no vasto universo instagramável o modelito virtual — peças feitas para aparecer na internet e pronto. Vestidos, calças, jaquetas e tênis, em vez de despachados pelo correio, são entregues de imediato — na forma de pixels que se fundem em peças inovadoras e futuristas, para serem “vestidas” exclusivamente no mundo digital. Os preços variam conforme o poder de atração, a assinatura e a exclusividade do produto, podendo alcançar milhares de dólares em leilões na rede.
Um dos nomes mais poderosos no mundo fashion digital é o do estúdio holandês The Fabricant, no mercado há três anos. Seu site oferece modelos criativos e extravagantes inspirados em games e personagens — três peças calcadas no visual de Pabllo Vittar estão esgotadas — e seus estilistas assinam o primeiro vestido digital de “alta costura”, vendido por 9 500 dólares (cerca de 50 000 reais) e autenticado com o selo NFT (non fungible token, em inglês), que torna a peça única e rastreável. Bem mais em conta são as roupas fluidas e coloridas da marca croata Tribute, como a calça Fido (200 reais), de inspiração marinha. Os exemplares da Tribute não são exclusivos, mas, em compensação, o cliente pode mandar sua foto e ela aplica o visual; no caso da Fabricant, o próprio comprador tem de fazer isso, usando um aplicativo em 3D. De olho em novidades, a rede de lojas de departamentos escandinava Carlings lançou no fim de 2019 uma pequena coleção de roupas digitais que se esgotou em uma semana.
Grifes famosas disputam há tempos o palco dos videogames, adicionando seu logotipo aos modelos que os jogadores compram para vestir seus avatares. A transposição do guarda-roupa virtual para os seres humanos, no entanto, ainda era incipiente até a pandemia chegar e a frequência nas redes sociais se multiplicar, turbinando com ela a necessidade de novos visuais — pesquisas mostram que, nos países desenvolvidos, 9% da população passou a comprar roupas novas só para postar em seus perfis. “O processo de digitalização e midiatização da nossa vida se acelerou profundamente e as pessoas tiveram de descobrir novos meios de se comunicar e se expressar por intermédio das redes”, diz Bruno Pompeu, professor de semiótica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
No último ano, a oferta de roupas virtuais deslanchou e existe até uma plataforma de comércio eletrônico dedicada exclusivamente ao segmento, que também inclui sapatos e acessórios. Entre as grifes de luxo, a Gucci foi uma das primeiras a embarcar na novidade, lançando em março a coleção Virtual 25, de tênis a partir de 50 reais disponibilizados em um aplicativo para serem calçados on-line, por meio de um filtro de realidade aumentada. Segundo a marca, trata-se de um teste pré-lançamento de linhas mais completas de produtos virtuais, projeto que também está no radar de Louis Vuitton e Tommy Hilfiger.
Na mesma linha esportiva, a britânica Overpriced, fazendo jus ao nome (“caro demais”), desenvolveu uma jaqueta de moletom promovida como obra de arte, com direito ao NFT e vendida em leilão por 26 000 dólares (135 000 reais). O comprador, não identificado, pode escanear um código e “usar” a peça à vontade — só ele e ninguém mais, primeiro mandamento da bíblia da ostentação — em suas redes sociais. “Fazemos moda para a geração cripto” com o propósito de “desafiar os conceitos da indústria do luxo”, propagandeia o dono da marca, Leighton James. Rebatendo as críticas a quem se dispõe a gastar dinheiro em roupa que não se pendura no armário e não se veste de verdade, os defensores da moda virtual ressaltam que, na sua produção, o fluxo criativo é mais eficiente e barato e não há gastos com tecidos e materiais e com a confecção de amostras. Além disso, evita-se o acúmulo de roupas ultrapassadas que depois serão descartadas, o que se reverte em benefício para o meio ambiente. Tudo isso sem perder o prazer de comprar, aplicar — e postar.
Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747