Os livros de fantasia que conquistaram a geração Z na quarentena
Ao oferecer um refúgio reconfortante em tempos difíceis, os títulos explodiram em vendas no Brasil
Aos 17 anos, Jude é uma adolescente como tantas outras, exceto por um fato deveras peculiar: ela e suas duas irmãs foram sequestradas do mundo dos humanos e criadas no Reino das Fadas. Engana-se quem pensa que a nova moradia é um deleite mágico. Os seres fantásticos de beleza incomparável são cruéis com as garotas: na escola, elas sofrem bullying e são tratadas como inferiores por um príncipe mimado. Sobreviver ali demanda resiliência e autoestima, características que Jude desenvolve aos trancos e barrancos. A garota não está só: os obstáculos vividos pela protagonista de O Príncipe Cruel, de Holly Black, são comuns aos milhares de leitores que acompanham seu amadurecer — inclusive à própria autora, vítima de bullying aos 13 anos. “Meus livros são escapistas, mas refletem a experiência humana”, disse Holly a VEJA. Apaixonada por seres imaginários, de vampiros a fadas, a americana de 49 anos usa como bússola de sua escrita uma pergunta inspirada na própria provação: o que é pior do que ser um adolescente no colégio? Com a pandemia, que privou os jovens do imprescindível convívio escolar e social, o questionamento ganhou nova dimensão.
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Escapismo light
As irmãs Sarah e Sabrina Carvalho, 22 anos, que mantêm o perfil Surto Literário no Instagram, acharam nos livros uma maneira de lidar com o isolamento: “Todos queremos viver em outro mundo agora”
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Assim como Jude, a dita Geração Z — dos nascidos a partir de 1995 — encontrou na literatura fantástica um refúgio para a dura vida em tempos pandêmicos. Isolados em casa, com aulas on-line e “zerando a Netflix” — ou seja, exaustos de consumir séries —, os adolescentes passaram, quem diria, a ler mais. Segundo dados do instituto de pesquisas Nielsen, o filão da fantasia young adult — os jovens entre 16 e 24 anos — registrou em 2020 um crescimento de 61% no Brasil, com mais de 1,5 milhão de títulos vendidos. Para além da promessa de fuga da realidade hostil, os livros do gênero vêm cumprindo a missão de transmitir esperança com suas tramas épicas adocicadas. “Se o personagem consegue sobreviver a tantas situações difíceis, por que nós não conseguiríamos?”, concorda Sarah Carvalho, parceira de leituras da irmã Sabrina, ambas de 22 anos, da cidade paulista de Caçapava.
Holly Black e as veteranas J.K. Rowling e Cassandra Clare são nomes fortes no aquecido mercado de livros juvenis no país. Mas quem puxa esse bonde é Sarah J. Maas. Em 2020, a americana de 35 anos ultrapassou no Brasil a marca de 1 milhão de livros vendidos. No mundo, já passou de 10 milhões. Duas sagas fantásticas alçaram a autora às listas de best-sellers: Trono de Vidro e Corte de Espinhos e Rosas — que será adaptada para a TV. Em junho, chega por aqui o quarto livro da série, Corte de Chamas Prateadas. Atestando a popularidade de Sarah, o novo romance vendeu 2 500 exemplares em meros cinco minutos de pré-venda pela Amazon brasileira.
Leitura entre amigos
Tiago Valente, 23 anos, gasta oito horas para produzir cada vídeo de trinta segundos nos quais incentiva a leitura a seus seguidores: “As redes sociais provaram que ler não precisa ser algo solitário. Pode ser, sim, uma experiência divertida e coletiva”
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A receita de seu sucesso se baseia em tramas apinhadas de seres mágicos, como fadas e serpentes aladas, e protagonistas empáticos, mas imperfeitos, envolvidos em disputas políticas e territoriais — além de romances complicados. “É quase um Game of Thrones para adolescentes”, diz Rafaella Machado, editora executiva do Galera Record, que publica Sarah e Holly no Brasil. O selo da editora carioca fez apostas decisivas para o atual boom juvenil. A principal delas pode parecer fora de lugar: acenar com livros físicos quando a venda de e-books explodiu por causa do isolamento. Pois é: a nova onda provou que os jovens, tão afeitos ao consumo virtual, não resistem a lançamentos vistosos como boxes e brindes exclusivos. Ações nas redes sociais e táticas para estreitar o relacionamento com os fã-clubes complementaram a estratégia que levou o Galera Record a tornar-se líder do segmento juvenil, superando a Rocco — que, mesmo no segundo lugar, ainda se mantém forte com J.K. Rowling e seu Harry Potter. Curiosamente, a popularidade da fantasia se desdobrou em subgêneros inesperados. Segundo a Rocco, a trilogia Winternight, de Katherine Arden, inspirada no folclore russo, e O Legado de Orïsha, série fictícia que bebe da mitologia iorubá, de Tomi Adeyemi, cresceram 30% durante a pandemia.
Zerou a Netflix
Ana Carolina Neves, 14 anos, tinha acabado de mudar de escola quando começou a quarentena. Sem muitos amigos, maratonou séries antes de se render à literatura: “Eu odiava ler, até descobrir autores pelo TikTok”. Hoje, a catarinense indica livros na rede
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O mercado livreiro sabe bem quem foi seu principal aliado nessa vitória: a literatura juvenil ganhou terreno ao mesmo tempo que a rede TikTok se popularizou. Ana Carolina Neves, 14 anos, de Jaraguá do Sul (SC), torcia o nariz para a leitura até deparar com a comunidade BookTok. O movimento criado por usuários da rede para indicar livros foi visualizado no mundo mais de 9 bilhões de vezes desde 2019. O estudante Tiago Valente hoje se mantém financeiramente promovendo livros em vídeos de trinta segundos. “Quero mostrar que leitura é entretenimento”, diz. Os números provam que a Geração Z captou sua teoria.
Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739
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