O xerife do plágio: quem é o advogado carioca que desafia a milionária indústria da música
Ele move processos contra artistas internacionais por supostamente copiarem compositores brasileiros

Um modesto escritório de advocacia no bairro de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, abriga um personagem talhado para tirar o sono das grandes gravadoras e de artistas de destaque na milionária indústria da música mundial. Da mesa de Fredímio Biasotto Trotta, 61 anos, saíram dez processos, nos últimos quatro anos, com uma firme alegação, atrelada a documentos: alguns dos mais celebrados sucessos das plataformas de áudio, hits incontornáveis, não são tão originais quanto parecem. Os litígios envolvem estrelas de primeira grandeza, como Adele e Shakira. Elas são acusadas de gravar sucessos cuja semelhança com canções brasileiras chama a atenção.
A contenda mais recente envolve, aliás, a colombiana Shakira, vencedora do Grammy Latino do ano passado na categoria melhor interpretação de música eletrônica, com a Bzrp Music Sessions, Vol. 53. Lançada em 2023, em parceria com o DJ e produtor argentino Bizarrap, a faixa logo escalou as paradas por trazer indiretas ao ex-jogador de futebol Gerard Piqué, que teria traído a musa, com quem foi casado. Para Trotta, no entanto, a faixa é puro plágio da música Tu Tu Tu, escrita por cinco compositores brasileiros, entre eles Luana Mattos, autora de outros estouros na voz de Ivete Sangalo. A obra, concebida três anos antes, também trata de infidelidade e se tornou popular na boca da dupla sertaneja May e Karen. Mais tarde, o baiano Léo Santana gravou a canção, ao lado de Mariana Fagundes. “Não tem como algo tão parecido ser fruto de uma ideia que nasceu do zero”, diz o advogado.
Não é preciso ser um especialista para perceber semelhanças entre as duas versões. O refrão salta aos ouvidos não só pela melodia, mas também pelo uso do pronome tu como principal marcação rítmica. Dois vídeos produzidos pela equipe de defesa ressaltam ainda que a linguagem do clipe da diva internacional guarda estranhas similaridades com movimentos de dança performados pelas artistas brasileiras. No final de janeiro, o caso foi parar na Justiça, depois de a gravadora Sony Music mudar os rumos da conversa em torno de um acordo amigável, que virou imbróglio sem conversa. “Estávamos já tratando de indenizações, depois de eles praticamente reconhecerem que Shakira tinha ‘chupado’ o Tu Tu Tu, e então desandou”, afirma Trotta. Os valores do processo são mantidos em sigilo.

O enredo desafinado repete controvérsia similar envolvendo Adele. O sambista Toninho Geraes acusa a cantora britânica de ter copiado a melodia de Mulheres, gravada por Martinho da Vila, em Million Years Ago. A briga ainda não chegou ao fim, travada depois de os representantes da artista inglesa terem sido acusados de apresentar uma procuração em nome dela com assinatura supostamente falsificada. Um inquérito policial investigará o episódio. Procurados por VEJA, tanto os advogados de Shakira quanto os de Adele silenciaram.
A briga com Adele foi ruidoso divisor de águas na carreira de Trotta. Violonista desde os 11 anos de idade, ele chegou a se aventurar profissionalmente, formando um grupo vocal batizado de Maitê-Tchu. Com um repertório repleto de clássicos da MPB, os cinco jovens tiveram relativo reconhecimento do público carioca no final da década de 1980. Aos poucos, contudo, a escolha pela advocacia, profissão que reunia três gerações de sua família, acabou se impondo. Os conhecimentos de harmonia, melodia e teoria musical foram cruciais para sustentar as acusações de plágio nos tribunais, de olho nas gravações e partituras.
Como não há, a rigor, critérios estabelecidos por lei para se configurar uma cópia, criar uma jurisprudência em torno do assunto se tornou fundamental. “A perícia musical é o que costuma decidir os conflitos. Normalmente, oito compassos iguais podem comprovar o crime”, diz Gustavo Kloh, professor de direito na Fundação Getulio Vargas, especializado em propriedade intelectual.
De processo em processo, Trotta, o xerife da melodia, vai abrindo espaço para se tornar uma referência na área da defesa de direitos autorais de artistas brasileiros em contendas internacionais de peso. Ganhando ou perdendo nos tribunais nos quais se discutem compassos e ritmos com ajuda técnica de ouvidos afinados, ele já fez um grande barulho empunhando a bandeira da causa da originalidade musical.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930