Nova versão do cardigã é uma das peças mais provocantes da temporada
Ele nasceu para ser bem-comportado. Mas o velho casaquinho da vovó agora exprime o que grande parte das mulheres quer dizer ao mundo atualmente
A expressão “estar por um fio” tem diversos significados. Ela pode indicar que falta pouco para que algo aconteça. Ou que alguma coisa quase ocorreu por um triz. Também é uma frase que sugere uma situação perigosa. Mas, na moda, ela batiza um truque de estilo que está atraindo as mulheres mais ousadas para um limite que se equilibra entre o perfeito e o absolutamente imponderável. A separação entre um e outro é mínima e provocativa. Reside exatamente nisso o sucesso da nova tendência que toma conta das ruas e passarelas: usar um cardigã ajustado ao corpo e praticamente aberto, preso apenas por um fio metálico como fecho, deixando boa parte do torso à mostra. Essa versão contemporânea do velho casaquinho da vovó exprime o que grande parte das mulheres quer dizer ao mundo atualmente. Arriscar-se, mostrar-se e deixar claro que quem decide o que vestir são elas — uma postura sexy e libertária.
O cardigã surgiu no século XIX como parte do uniforme militar de James Thomas Brudenell, o conde de Cardigan (por isso o nome). Feito de lã ou de malha, foi transformado em peça feminina por Coco Chanel nos anos 1920. Tradicionalmente, o casaco sempre foi visto como a representação do recato. A linda atriz Grace Kelly, dona de uma beleza clássica, o usava abotoado até o pescoço depois que deixou os estúdios de Hollywood para se tornar princesa em Mônaco. A mudança na forma de vestir a roupa começou no início dos anos 2000, quando as fashionistas resolveram tirá-la dos armários antigos e usá-la como blusa, sem nada por baixo, fechada somente por um botão. Um toque mais ousado aqui e outro ali até que, em 2019, a atriz Katie Holmes radicalizou ao aparecer nas ruas de Nova York vestindo o cardigã combinado apenas a um sutiã da mesma cor e tecido. Foi o que bastou para a peça se tornar um ícone de street style.
Agora, a proposta vem bem mais ousada: sai o botão e, em seu lugar, entra um pequeno fio metálico para ligar as duas partes do casaco. Parece tão frágil que dá a impressão de que pode arrebentar a qualquer momento. O casaquinho que nasceu para ser bem-comportado tornou-se item sexy. E é justamente aí que mora a graça dessas produções. “Já era de se esperar que este momento que vivemos trouxesse modificações na moda”, avalia Yan Acioli, personal stylist da atriz Juliana Paes e da cantora Juliette. “O novo uso do cardigã tem a ver com a liberdade de expressão das mulheres.”
Não à toa, as peças com fios metálicos apareceram bastante nas últimas temporadas de moda internacionais. Em Paris, elas foram protagonistas do desfile da Jacquemus, grife francesa comandada pelo talentoso Simon Porte Jacquemus, atualmente considerado o estilista que mais antecipa tendências e, segundo levantamento feito pelos sites especializados Lyst e Highsnobiety, o que apresenta o maior potencial para inovar nos próximos anos. Sabiamente, ele colocou o look em corpos bem diferentes na passarela — da top model Kendall Jenner à plus size Devyn Garcia —, mostrando que a nova ode fashion é para todas as mulheres. Em Nova York, o modelo ganhou força nos desfiles de Brandon Maxwell e de Maryam Nassir Zadeh, no street style e nas mídias sociais, tornando-se o queridinho de Bella Hadid e Hailey Bieber. Tudo o que elas usam vira moda. Também causou frisson a visão deslumbrante da atriz Megan Fox vestindo um modelão vermelho depois de sair de uma sessão de fotos em Los Angeles. Agora é esperar para ver se no Brasil a moda vai pegar. “Acredito que sim. As brasileiras são ousadas e gostam de mostrar o corpo”, diz Acioli. De peito aberto, por um fio e à flor da pele. O verão da retomada promete.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758