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Mesmo datado, Crepúsculo retorna aos mais vendidos amparado pela nostalgia

Com o livro 'Sol da Meia-Noite', Stephenie Meyer volta à lista de best-seller, apesar das críticas de que seu popular romance seria, no fundo, abusivo

Por Amanda Capuano Atualizado em 20 ago 2020, 15h49 - Publicado em 12 ago 2020, 11h41

Quando o livro Crepúsculo, da autora americana Stephenie Meyer, chegou às livrarias no longínquo 2005, George W. Bush ainda era presidente dos Estados Unidos, as redes sociais engatinhavam rumo a conquista de um amplo público, e os adolescentes que fazem barulho hoje, como Greta Thunberg, mal tinham saído das fraldas. De lá para cá, a saga composta por quatro livros vendeu mais de 100 milhões de cópias e arrecadou 3,3 bilhões de dólares em bilheteria com sua adaptação cinematográfica, ao acompanhar a relação de uma adolescente normal que se apaixona perdidamente por um vampiro, vividos no cinema, respectivamente, por Kristen Stewart e Robert Pattinson. As cifras pomposas estão prestes a ficar maiores com o lançamento de Sol da Meia-Noite (Intrínseca), novo livro derivado da série, lançado na semana passada, que inverte a narrativa da mocinha, Bella, e observa a mesmíssima trama a partir do ponto de vista do vampiresco Edward.

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Com quase 700 páginas conduzidas pela mente instável do rapaz, o livro chegaria ao público pouco depois de Amanhecero último volume da série original, lançado em 2008 —, mas o vazamento online dos capítulos iniciais fez a autora postergar seus planos em mais de uma década. Agora, a obra chegou às prateleiras, mas em um mundo bem diferente daquele que consagrou a trama como um fenômeno. Na era do feminismo, é difícil imaginar que a história de uma garota disposta a abrir mão da própria vida por um amor de ensino médio fizesse sucesso. Mais do que isso, a ideia de uma mulher que dispensa qualquer chance de um futuro próprio para juntar-se à “vida selvagem” de um homem que pode matá-la a qualquer momento não está exatamente alinhada aos ideias de relacionamentos saudáveis propagados nas redes sociais. O efeito nostalgia, porém, falou mais alto que qualquer ressignificação da história. E o livro, mesmo datado, garantiu um lugar nas listas de mais vendidos em sua semana de estreia. Não foi dessa vez que Edward caiu na vala dos cancelados.

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Capa de ‘Sol da Meia-Noite’, novo livro da saga Crepúsculo narrado por Edward Cullen (Instrínseca/Instagram)

No filão juvenil, a saga não é a única a ir contra a expectativa de empoderamento criada sobre a juventude moderna. Se Jogos Vorazes e Divergente empolgaram por pintar a figura feminina com ares revolucionários e independentes, A Seleção fez sucesso retomando o clichê da busca por um príncipe encantado — literalmente, já que o fio condutor da história é uma competição para eleger quem ocupará o cobiçado cargo de esposa do monarca. Subindo na classificação indicativa, as controversas 365 DNI e 50 Tons de Cinza seduzem as mulheres de meia-idade, pendendo para o abuso na corda bamba do romance erótico — ao menos nas produções juvenis, há espaço para o amadurecimento e reflexões futuras. Não à toa, muitas das questões problemáticas levantadas sobre Bella e Edward surgiram anos depois, a partir de discussões dos próprios fãs. Apontamentos não fortes o suficiente para romper a magia que envolve o casal e seu cobiçado amor eterno estranhamente conquistado.

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Stephenie Meyer tanto sabe disso que esta não é a primeira vez que se aproveita do apego emocional dos fãs para espremer um pouquinho mais do sucesso da saga. Em 2015, a autora lançou Vida e Morte: Crepúsculo Reimaginado, uma versão do romance com inversão de gênero em que Edythe Cullen é uma vampira poderosa que se apaixona por Beau Swan, um humano comum. Em sua mais nova investida, Stephenie aposta na curiosidade dos fãs, que almejavam saber o que se passava na mente do protagonista. Boa parte dos diálogos em Sol da Meia-Noite são facilmente reconhecidos por quem devorou os livros anteriores, com a diferença de que agora sabe-se que, ao sentir o aroma de Bella pela primeira vez, o sempre elegante Edward Cullen tomou-se por um torpor capaz de fazê-lo planejar a morte de 20 pessoas em 5 segundos apenas para desfrutar de seu sangue: o que faz muito mais sentido para um vampiro milenar do que a ideia de amor à primeira vista.

Embora um tanto preguiçosa, é preciso reconhecer que a estratégia de Stephenie é bastante eficaz. Mas se dentro das páginas tudo é permitido, e não é crime algum render-se à nostalgia, fora da literatura fantástica o lobo não se apaixona pelo cordeiro — e se um homem pular a janela do seu quarto no meio da noite para te observar dormir, em vez de perguntar “Edward?”, talvez seja melhor ligar para a polícia.

Autora da série de livros Crepúsculo, Stephenie Meyer, que serviu de base para a franquia cinematográfica
Autora da série de livros Crepúsculo, Stephenie Meyer, que serviu de base para a franquia cinematográfica (Divulgação/VEJA)
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