Louvre aproveita fechamento para restaurar e limpar seus tesouros
Outros monumentos parisienses seguem o mesmo rumo
Acostumada a ser o centro das atenções do museu mais visitado do mundo, a Mona Lisa há meses anda sorrindo sozinha. As galerias do Louvre, em Paris, por onde milhares de turistas circulavam tirando incontáveis selfies, passaram quatro meses fechadas no primeiro semestre de 2020, reabriram brevemente e cerraram as portas de novo em outubro, ainda sem data para voltar a receber os usuais 40 000 visitantes diários. Quando a entrada for liberada, porém, as obras-primas lá exibidas estarão tinindo. Nas galerias vazias, especialistas trabalham no embelezamento, faxina e restauração das maravilhas do museu cinco dias por semana, em vez de só às terças-feiras, o único dia sem Louvre antes de o novo coronavírus atrapalhar a vida na Terra. “Estamos tocando onze grandes projetos relacionados à renovação de espaços, restauração e manutenção do palácio, modernização de instalações e replantio do Jardim das Tulherias”, disse a VEJA a porta-voz do museu, Céline Dauvergne.
Para dar conta da empreitada, 150 funcionários, de eletricistas e técnicos em elevadores a restauradores ultraespecializados, espalham-se pela morada do maior acervo de arte do mundo, com mais de 620 000 obras. Algumas tarefas são trabalhosas, mas relativamente simples, como limpar as molduras de 4 500 pinturas e pregar 40 000 novas plaquinhas de descrição ao lado de obras de arte. Outras são delicadas e minuciosas, caso da reforma no imponente salão de antiguidades egípcias e da remodelagem de seu hall de entrada. Enquanto um pequeno grupo limpa a placa de granito de 2 toneladas que vai dominar o novo acesso, outra funcionária, munida de uma escova de dentes, esfrega cuidadosamente os hieróglifos da peça, que contém as instruções para a vida no além de Senusret, chefe dos tesouros egípcios na 12ª Dinastia. Logo ali, mais uma equipe (as regras de distanciamento não permitem a presença de grandes turmas no mesmo salão) trabalha na tumba de Akhethotep, exposta no museu desde 1903.
Um dos grandes projetos é a restauração do próprio palácio, antiga residência dos reis da França às margens do Rio Sena. Nos aposentos de Luís XIV, o Rei Sol, artesãos aplicaram folhas de ouro em ricos entalhes nas paredes e desenhos no teto. Também na fachada, exposta ao tempo, os detalhes arquitetônicos estão sendo restaurados. A maior parte dos trabalhos já entrou em fase final de acabamento e, mesmo sem data para reabrir, a direção do Louvre já se debruça sobre as atividades quando isso finalmente acontecer. É bem possível que experiências interativas introduzidas pouco antes de a pandemia se abater, como sessões de meia hora de ioga com vista para obras de Jacques-Louis David e Peter Paul Rubens, não serão retomadas, devido ao número mais restrito de visitantes por hora.
Outro nó a ser desatado é o cronograma de empréstimos de peças. “Não sabemos como a situação estará daqui a dois, três, quatro meses. No momento, tudo o que temos são muitas dúvidas”, reconhece Sébastien Allard, curador-geral e diretor do departamento de pinturas. Com as portas fechadas, o Louvre e outros museus, como o Rodin e a Fundação Louis Vuitton, montaram visitas virtuais guiadas e narradas — o que não é a mesma coisa, mas melhor do que nada. “Do ponto de vista financeiro, foi um péssimo ano para todos os museus, com as perdas na venda de ingressos, aluguéis para eventos, estacionamento e produtos. Não se recupera isso em um ano, mesmo levando em conta a maior presença digital”, afirma Fabio Szwarcwald, diretor-executivo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que também aproveitou a quarentena para realizar manutenção.
Além do Louvre, outras atrações parisienses estão utilizando a parada forçada para uma arrumação, já com vistas à Olimpíada de 2024, que será na cidade. A Torre Eiffel vai recuperar a cor amarelada do projeto original, enquanto a Avenida dos Champs-Élysées está sendo redesenhada para acomodar mais áreas verdes e ciclovias. Enquanto isso, segue dentro do cronograma a restauração da Catedral de Notre-Dame, que perdeu parte do teto e a torre principal em um incêndio em 2019. No momento, técnicos buscam nas florestas francesas 1 000 carvalhos de no mínimo 100 anos, que serão usados na execução de uma réplica exata da torre destruída. Quando se trata de seus monumentos, a França não brinca em serviço.
Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727