Livro disseca influência de psicoativos vindos da natureza
Em 'Sob Efeito de Plantas', especialista investiga o tema ao longo da história
Em 1954, o britânico Aldous Huxley descreveu no livro As Portas da Percepção sua experiência com a mescalina, substância psicodélica extraída de cactos como o peiote e o são pedro — originários do México e dos Andes, respectivamente. “Meia hora após engolir a droga, tomei consciência de uma lenta dança de luzes douradas. Depois, surgiram suntuosas superfícies vermelhas que inchavam e se expandiam a partir de brilhantes nódulos de energia”, escreveu. Introduzida no imaginário ocidental por Huxley, a mescalina é usada há milênios pelos nativos americanos em rituais religiosos. Misteriosa, a substância é um dos três psicoativos investigados em Sob Efeito de Plantas (Intrínseca), livro do americano Michael Pollan, estudioso da ciência da alimentação e da botânica que mergulha no hábito incontornável do ser humano de consumir plantas que alteram nossa consciência. “Há evidências muito antigas do uso de álcool e acredito que o registro mais primitivo de psicodélicos é o peiote, encontrado em cavernas entre o Texas e o México há 6 000 anos”, disse o autor a VEJA (leia abaixo).
Ao longo da história, plantas variadas caíram no gosto popular por seus efeitos na psique humana. Hoje, os estudos de especialistas como Pollan buscam reavaliar nossa relação ambivalente com elas: enquanto as substâncias extraídas de muitas, como a mescalina e a maconha (derivada do cânhamo), ganharam status de droga e foram criminalizadas, outras são socialmente aceitas. É o caso do café, também analisado no livro. Há, ainda, aquelas que ficam em um desafiador meio-termo, como os opioides: originado de uma flor de aparência prosaica e inocente, a papoula, o ópio foi isolado farmaceuticamente e é um sedativo medicinal poderoso — mas seu uso desenfreado é responsável por uma das maiores crises recentes de saúde pública americana. “O uso de drogas sempre traz riscos. As pessoas ficam mais propensas a acidentes, vulneráveis a ataques. Mas ele também nos oferece algo importante”, diz o autor, que aponta o alívio da dor e do tédio como possíveis razões evolutivas para o consumo dos psicoativos.
Do álcool aos psicodélicos, passando por alimentos como o açúcar, a humanidade tem, enfim, atração irrefreável por substâncias que alteram o funcionamento do cérebro. Tal apelo levanta a questão: por que algumas delas são consideradas drogas e outras, não? A resposta mais óbvia seria apontar os diferentes graus de severidade de seus efeitos, mas a realidade revela-se mais atrelada a questões culturais. O café hoje é tido como inofensivo, mas já foi banido em países como a Itália, onde foi vetado pela Igreja Católica no século XVI por ser “bebida do demônio”. Seu consumo, porém, se popularizou pelo poder estimulante — o que se revelou benéfico à economia. “Psicodélicos não são uma droga boa para o trabalho, mas pessoas que bebem café e chá têm um desempenho melhor, tanto é que o patrão o fornece para os funcionários”, diz o autor. Em resumo: uma planta de propriedades psicoativas tem mais chances de ser aceita se for boa para os negócios.
Na outra ponta estão aquelas cujo uso só passou a incomodar quando causou ruídos à ordem. Nos Estados Unidos, psicodélicos como a mescalina e o LSD não eram proibidos até 1965, quando tiveram o consumo barrado em meio à revolução da contracultura e adoção pelos hippies. A maconha, inicialmente associada aos negros e mexicanos, também não era vista com bons olhos. “Se seu grupo for discriminado e usar determinada substância, ela também será discriminada”, pontua Pollan.
Felizmente, a visão simplista sobre as substâncias psicoativas vem mudando graças à ciência. Nos últimos anos, produtos medicinais baseados na Cannabis se difundiram globalmente, e os psicodélicos podem seguir o mesmo caminho, já que estudos recentes apontam efeitos positivos em tratamentos psiquiátricos. Se a natureza criou tantas plantas controversas, é melhor entender suas propriedades antes de condená-las.
“É uma questão cultural”
O americano Michael Pollan falou a VEJA sobre as plantas com propriedades psicoativas e as mudanças na visão de mundo sobre seu uso.
Como é a relação dos humanos com os psicoativos? É antiga e profunda. Certas drogas, como o ópio, são usadas há milênios para aplacar a dor. Na maior parte da história, a vida era tediosa e os psicoativos foram um modo de lidar com isso. As pessoas têm percepções incomuns sob efeito de psicodélicos, e às vezes isso se torna base de religiões, ou de descobertas artísticas e científicas.
Por que algumas substâncias são vistas como drogas e outras, não? É uma questão cultural e que muda de tempos em tempos. Nos anos 1920 e 1930, o álcool era ilegal nos Estados Unidos e mulheres que lutavam contra seu uso relaxavam bebendo poções com ópio e Cannabis. Agora, o álcool é legal, o ópio, não, e a Cannabis vem sendo reavaliada.
Seu livro diz que isso tem a ver com o sistema econômico. Como assim? Algumas substâncias psicoativas são uma ameaça, enquanto outras ajudam o sistema. Quando a economia passou a ser baseada no trabalho mental, o café se tornou útil. Essa é uma das razões de ele não ser visto como droga.
O que a crise dos opioides ensina sobre o tema? Ela expõe quanto é ineficaz a guerra às drogas. A população prisional explodiu e liberdades civis foram perdidas enquanto opioides legalizados eram promovidos agressivamente para as pessoas.
Então, qual é a abordagem mais sensata? Aquela que tira as drogas dessa caixa malvada e olha cada uma delas em seus próprios termos, considerando riscos e benefícios.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837
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