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‘Homem-Aranha: Sem Volta para Casa’ amplia universo do herói da Marvel

Continuação abre portas para velhos personagens e oportunidades infinitas de desdobramentos

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h38 - Publicado em 17 dez 2021, 06h00

Desde que foi picado por uma aranha radioativa, adquirindo superpoderes, Peter Parker não teve um minuto de paz. Vilões mal-encarados, alienígenas e até um Apocalipse que fez desaparecer meia humanidade estão entre os percalços do jovem que também atende por Homem-Aranha. Mais que a inglória missão de proteger a civilização, pesa sobre o rapaz a extenuante tarefa de manter duas vidas paralelas. Não à toa, Peter declara a MJ (Zendaya), crush por quem carrega um caminhão — literalmente, se preciso for —, que em todo esse período sua maior felicidade foi quando a moça descobriu que era ele o mascarado. Mesma alegria não ocorreu no instante em que, ao fim de Longe de Casa (2019), sua identidade foi revelada ao mundo inteiro, com direito a foto de seu rosto sorridente estampando os telões da Times Square. Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (Estados Unidos, 2021), a nova aventura estrelada pelo cativante Tom Holland no figurino do herói e já em cartaz no país, começa desse ponto exato — mas daí dá um salto tão vertiginoso quanto seus pulos entre os prédios em Nova York.

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Prestes a entrar na faculdade e feliz com a namorada, MJ, Peter se vê tragado pelas agruras da fama e, claro, dos haters que se aglomeram diante do apartamento onde mora com a tia May (Marisa Tomei). Sem o mentor Tony Stark (Robert Downey Jr.), morto no último combate dos Vingadores, resta a Peter buscar ajuda em um rincão do universo Marvel até então longínquo das histórias do Homem-­Aranha. Assim, o mago Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) surge em cena para conjurar um feitiço capaz de forçar todos, inclusive os amigos do garoto, a esquecer que ele é o herói aracnídeo. O problema é que Peter não quer ser esquecido pelos que o amam. Pior ainda: ele não é o único Peter Parker que existe (ou já existiu) por aí. Contar mais do que isso implica em penetrar no terreno pantanoso dos spoilers.

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O supertruque de roteiro usado com maestria neste novo filme é o “multiverso”. Com a expansão irresistível de seu panteão de heróis na cultura pop, a Marvel naturalmente buscou uma forma de entrecruzar suas mitologias. Mais recentemente a tática foi radicalizada no tal de “multiverso” — termo emprestado da física que propõe a existência de universos paralelos, e é explorado com desprendimento notável no novo Homem-Aranha. Na ficção, o expediente se revelou um valoroso meio de resolver pontas soltas, como ressuscitar personagens, dando-­lhes uma segunda chance, ou mesmo para zerar a trama contada até ali.

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ENTRE MUNDOS - Holland e Cumberbatch: o feitiço para apagar a memória acaba abrindo as portas para outros universos -
ENTRE MUNDOS - Holland e Cumberbatch: o feitiço para apagar a memória acaba abrindo as portas para outros universos – (Matt Kennedy/Sony Pictures/MarveL/.)

Pode ser, também, um problema atordoante — como sugere Loki, série com o personagem vivido por Tom Hiddleston que foi lançada neste ano pelo Disney+. Nesse caso, a dita “sagrada linha do tempo” é sabotada por completo e diferentes dimensões se conectam, num samba do super-herói maluco. O exemplo de Loki ensina que o multiverso é arma dramatúrgica para ser usada com parcimônia. Como diz a máxima da mitologia do Homem-Aranha: “Grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. O flerte com universos paralelos não é inédito, na verdade, no enredo do herói. Em 2018, a animação Homem-­Aranha no Aranhaverso fez um belo trabalho ao traçar uma aventura para Miles Morales, um garoto negro também picado pela estranha aranha e que acaba conhecendo outros heróis similares. Sem Volta para Casa encontrou, portanto, um terreno arado para transitar pelo multiverso — e o fez de forma precisa, sem surpresas descabidas e com um roteiro e visual vibrantes.

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Como adiantou o material de divulgação do estúdio Sony, estão de volta alguns antigos vilões da franquia, de uma era anterior à de Tom Holland. Um deles é o cientista nuclear Doutor Octopus (Alfred Molina), que em 2004 encarou o herói, então vivido por um tímido e polido Tobey Maguire, num embate que remetia ao clima dos quadrinhos de Stan Lee e Steve Ditko — a dupla criadora do personagem, nos anos 60 e 70. Em 2014, o ressentido Electro (Jamie Foxx) deu trabalho ao debochado Homem-Aranha de Andrew Garfield, numa era em que ser nerd e popular ao mesmo tempo já era possível. Tanto Maguire quanto Garfield se despediram do papel atendendo à demanda de uma indústria sedenta por novidades e bilheterias bilionárias: Maguire já estava velho para o papel; Garfield não era rentável o suficiente. Sem maiores explicações, os atores foram, simplesmente, trocados. Até chegar Tom Holland.

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Seguindo a regra de espelhar a juventude de cada época, o Peter Parker do ator inglês veio embalado para a conectada e engajada geração Z. Nesse novo mundo, o maniqueísmo é colocado em xeque. Os vilões mais recentes da franquia agora ensejam demoradas sessões de psicanálise. O mesmo vale para os novos (na verdade, velhos) malvadões em seu encalço. No multiverso, tudo é possível — inclusive a redenção. Holland, então, recupera a essência do personagem: o mais humano dos heróis enxerga também traços de humanidade na vilania ao redor. Criado em 1962, quando a Atlas Comics — futura Marvel — beirava a falência, o Homem-­Aranha salvou a editora ao desafiar os padrões heroicos de então: era fracote, usava óculos e sofria bullying. Desde a fatídica picada, porém, seus tentáculos nunca foram tão fortes.

Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769

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