Grifes brasileiras e internacionais transformam o agro em fashion
Marcas adotam referências do universo da produção no campo para estampar coleções de alta-costura e acessórios
Calça jeans, cinto com fivela larga e camisa xadrez. O onipresente visual vaqueiro nasceu na década de 30, herdado de filmes de faroeste e da indumentária dos artistas do country americano. De lá para cá, o estilo caubói mudou pouquíssimo, com pequenas alterações no tipo de couro das peças, em um ou outro detalhe invisível. A novidade: a estética da vida no campo passou a inspirar grandes grifes internacionais. O agro é fashion, e é chique. Na recém-encerrada Semana de Moda de Milão, a Moschino pôs esguias modelos em vestidos e casacos com estampas de adoráveis vaquinhas no pasto. Outras ostentavam vestidos inspirados em sacos de batata e, creia, todas estavam alinhadíssimas. Alguns meses antes, a francesa Jacquemus montou seu desfile em um belíssimo campo de trigo. Há ainda inovações no setor dos acessórios, como semijoias que ganharam formatos bem característicos na lida do agronegócio. São colares em forma de grão de soja, botas e diminutos chapéus de cavaleiros. “É um jeito de exibir a beleza que vem da terra, onde há, sim, muita feminilidade e elegância”, diz Cristiane Steinmetz, agricultora e líder da Rede UMA, organização que oferece formação às mulheres do setor agrícola e que recebe parte da arrecadação com os pingentes. Foram 5 000 unidades comercializadas em apenas dois meses.
Os produtores rurais logo perceberam a boa oportunidade de negócios e imagem com o vestuário. Não por acaso, apoiam com força as criações. A organização brasileira Sou de Algodão, por exemplo, leva estilistas e designers para campos de colheita localizados em dez regiões brasileiras de modo a inspirá-los. “É uma imensidão branquinha e macia, eles se sentem como se estivessem nas nuvens”, diz Júlio Cézar Busato, presidente da organização que defende a produção sustentável do fio. A preocupação quanto a como os tecidos são feitos é outro capítulo interessante na relação entre a moda e o campo. A francesa Chloé exibiu neste ano uma coleção em que se via a união da sustentabilidade com alto estilo: os fios sintéticos, como o poliéster, foram banidos das modelagens e os tecidos vieram da agricultura orgânica. A tendência é um aceno em direção aos desejos de uma forte clientela interessada nos rumos do planeta. Pesquisa da IBM realizada globalmente mostra que 70% dos consumidores consultados pagariam em média 37% mais em um produto só para que a empresa oferecesse transparência sobre como funciona sua linha de produção.
O retorno ao natural, lembre-se, é um mecanismo tradicionalmente usado pela moda para responder a períodos de catástrofes que colocam a sociedade diante de pontos de inflexão, como a atual pandemia. Logo depois de 1986, ano do desastre nuclear de Chernobyl, nasceu um movimento de valorização dos elementos naturais, muito parecido com o que se vê nas passarelas aqui e agora. “A valorização da natureza é imperativa hoje, e a moda traduz esse desejo”, diz João Braga, professor de história da moda na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). A depender do burburinho em torno da nova onda, a estética antiga e envelhecida dos caubóis de cinema deve demorar a voltar à cena.
Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729