Globoplay destrincha a vida de Flordelis em série paralela ao julgamento
Suspeita de ter mandado matar o marido, ex-deputada é examinada em série documental — enquanto enfrenta o tribunal fora das telas
Uma mulher acima de qualquer suspeita, Flordelis dos Santos de Souza, 61 anos, é o tipo de personagem que nem a ficção seria criativa o suficiente para criar. Suspeita de ter encomendado o assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, a cantora gospel, pastora e ex-deputada-federal encara, a partir desta segunda-feira, 7, o julgamento junto com outras quatro pessoas, no Tribunal do Júri de Niterói. Enquanto isso, os brasileiros podem acompanhar um tribunal paralelo. A Globoplay, plataforma de streaming da Globo, lançou na sexta-feira, 4, a série documental Flordelis: Questiona ou Adora. A produção, que tem dois capítulos disponíveis até o momento, terá seis episódios no total que vão destrinchar a vida de Flordelis, do auge até a queda, quando se viu no epicentro do crime que chocou o país, em 2019.
Em seus dois episódios iniciais, a série segue a mesma premissa de outros documentários do gênero true crime do Globoplay, como Marielle – O Documentário, sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, e O Caso Celso Daniel, prefeito de Santo André morto após ter sido sequestrado em São Paulo. Em ritmo de reportagem do Fantástico, as séries se esforçam para oferecer uma postura imparcial, deixando ao espectador todos os lados da história para que tire suas próprias conclusões. Na série sobre Flordelis, a decisão é justificável, já que seria errôneo assumir uma posição visto que ela ainda será julgada pela lei. A produção atiça a curiosidade ao desmistificar a imagem de beata da cantora como figura de adoração de milhares de religiosos, e o faz com uma evidente evolução da qualidade de roteiro e direção se comparada com as produções anteriores. O assassinato de Anderson do Carmo, por enquanto, está na superfície — o que deve ser aprofundado nos próximos capítulos.
Presa preventivamente desde 13 de agosto do ano passado, Flordelis está no presídio feminino Talavera Bruce, em Bangu (RJ). Ela despontou como uma figura popular no Rio de Janeiro como uma mulher negra, da periferia, que não só fazia cultos a fim de evangelizar moradores de favelas, como também passou a acolher dezenas de crianças abandonadas pelos pais. Admirada por toda a comunidade como um exemplo de fé, maternidade (tinha mais de 50 filhos, entre biológicos, adotados e afetivos) e altruísmo, ela se tornou também deputada federal pelo PSD-RJ. O currículo aparentemente irretocável da pastora foi manchado em 16 de junho 2019, com a morte de Anderson do Carmo, assassinado com 30 tiros.
Seguindo padrões de um documentário, a série é costurada com depoimentos de investigadores, jornalistas que cobriram o caso, peritos criminais e filhos e netos de Flordelis; imagens de câmeras de segurança do hospital onde Carmo foi socorrido, da rua da casa do clã de Flordelis – usadas na investigação; uma entrevista da própria pastora ao Conversa com Bial, da Globo; imagens de arquivo de entrevistas antigas que mostravam Flordelis como a grande heroína da comunidade que aparentava ser (e talvez realmente fosse); além de simulações da cena do crime. A forma como tudo é amarrado, mesmo com uma cronologia que transita entre passado e presente, dá um panorama esclarecedor sobre a ascensão da pastora e um grande exemplo da potência da religião ao usar a fé de pessoas pobres como combustível de uma máquina de poder incontrolável, como o fato da religiosa virar uma deputada influente entre os evangélicos. Uma história peculiar, mas que ecoa a realidade de muitos ao redor do país.