Filme indicado por Eduardo Bolsonaro reúne depoimentos contra a ciência
'Milagre', que estreou na quinta-feira 4, custou 85.000 reais e teve apoio do Movimento Avança Brasil e do deputado federal Alexandre Frota
Indicado por Eduardo Bolsonaro em suas redes sociais, o documentário Milagre, de Mauro Ventura (Bonifácio: o Fundador do Brasil, Jardim das Aflições, O Imbecil Coletivo) não exige pouco dos espectadores, ao menos dos não iniciados nos cursos de Olavo de Carvalho. O longa, que estreou na quinta-feira 4, foi inspirado em uma aula do professor que deixou de frequentar a escola antes de completar o então ginásio. Tenta, do começo ao fim, mostrar a inutilidade e os males causados pela ciência à humanidade, a pobreza intelectual de quem não se interessa pela ideia de Deus e a superioridade do ponto de vista cristão acerca de todos os fenômenos sobre a face da Terra.
Trata-se do terceiro filme do diretor ligado ao ideólogo do governo de Jair Bolsonaro. Pago por financiamento coletivo que, entre as contribuições de pessoa jurídica, tem o Movimento Avança Brasil e, entre as físicas o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP), custou pouco para um longa, 85.000 reais. A campanha arrecadou mais de 96.000 reais de doações, diferença que o diretor diz ter investido na divulgação. “Mas a indicação do Eduardo Bolsonaro foi completamente espontânea. Ele recomendou porque conhece os meus trabalhos anteriores”, diz Ventura, acrescentando que tem um profundo respeito e simpatia pelo filho do presidente. O deputado federal, ainda segundo o diretor, não havia visto o filme quando o indicou.
Mauro Ventura é bacharel em filosofia e ex-aluno dos cursos on-line de Olavo de Carvalho. Mas há duas décadas vem se dedicando ao teatro e, mais recentemente, ao cinema, uma área em que encontrou muito pouca aceitação de seu trabalho, por causa de posições políticas pessoais que ele descreve como conservadoras e de direita. “Existe uma hegemonia de esquerda não só no cinema como em toda a produção cultural brasileira. Essa hegemonia é refratária a quem não pensa como ela e isso já me causou muita dificuldade”, diz. O filósofo carioca montou, então, uma produtora própria com sócios que compartilham as suas crenças, a Ivin, sigla de Idem Velle, Idem Nolle, que resume uma ideia do latim sobre afinidades: “Onde está a verdadeira amizade, aí está o mesmo querer e o mesmo não querer, tanto mais agradável, quanto mais sincero”.
Pela empresa filmou as três produções anteriores, com apoio e participação do dono do curso de filosofia online que tem reunido levas de pessoas interessadas nos raciocínios teológicos e opiniões sobre tudo de Olavo de Carvalho. “Somos recorde de doações coletivas em produção de filmes no Brasil”, comemora. Bonifácio levantou, de acordo com a empresa, 387.000 reais de 1.800 contribuintes individuais e sete empresas. “Dinheiro público nunca foi uma possibilidade”, diz o cineasta.
Milagre é um documentário feito em cima de entrevistas, entremeado por imagens cristãs ou de natureza, muitas delas captadas na Europa quando Ventura rodava Bonifácio. Carvalho, o matemático italiano Wolfgang Smith e o físico Rafael Paola – os entrevistados – pensam mais ou menos da mesma forma sobre o tema do título, o fenômeno do milagre, como uma possibilidade circunscrita ao Cristianismo. E, a partir de princípios metafísicos, desenvolvem construções filosóficas sobre como a ciência afastou a humanidade da “verdade”. Assim como Ventura, Paola é aluno do curso de Carvalho. Smith tem o maior currículo acadêmico: já pertenceu ao MIT e lecionou na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), mas hoje faz parte da chamada Escola Perenialista, que, entre muitas outras peculiaridades, não reconhece a teoria da relatividade.
A sensação em alguns momentos é de entrar no meio da aula de uma matéria que não se conhece naqueles momentos em que os alunos, em vez de tirar dúvidas, dão opiniões. Mais que explicar a metafísica defendida como o caminho para a verdade, como se poderia esperar, os entrevistados atacam o tempo todo “o outro lado”: a Teoria da Evolução (que não se explica nem a si mesma, nas palavras de Carvalho), as leis de Newton (que não levam em consideração a cor da maçã, em um raciocínio de Piola).