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Felipe Neto: ‘Falta ética à publicidade digital no Brasil’

Youtuber condena publicidade on-line e despreparo de celebridades dos novos meios de comunicação. ‘Já passou da hora de o Conar abrir o olho'

Por Marina Rappa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 7 Maio 2017, 12h06

Os elogios de jovens “influenciadores digitais” à reforma do ensino médio, a soldo do Ministério da Educação, expuseram um vício disseminado em diversas plataformas e redes sociais: a publicidade disfarçada. Felipe Neto, um dos primeiros e mais bem sucedidos youtubers do país, alerta para a necessidade de aplicar padrões éticos aos novos meios de comunicação. “A propaganda tem que ficar clara e ponto final”, diz. “Seja um site de jornalismo, um blog de maquiagem ou um perfil do Instagram.” Em entrevista a VEJA, ele admite já ter incorrido no erro, critica o despreparo de youtubers, empresários e agências e explica por que decidiu desligar o canal que o projetou a fama, o colérico “Não Faz Sentido”, para voltar em versão, como diz, Nutella: “Cansei de polêmica.”

Está faltando ética à publicidade digital? Sim. Muitos influenciadores digitais estão fazendo merchandising escondido. É algo tão óbvio. Já passou da hora de o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abrir um pouco mais o olho – principalmente para o Instagram. E os influenciadores devem entender que essa discussão é boa para todo mundo. Quanto mais ética for a internet, mais as empresas vão querer fazer campanhas nesse meio.

O que para é ético no YouTube e o que não é? Alguém com 5 milhões de seguidores no Instagram fazendo um vídeo em que segura um celular com aplicativos abertos dizendo que um deles é ‘maravilhoso’, sendo que é mentira, isso não é ético. Não pode acontecer. A publicidade tem que ficar clara e ponto final. A gente não lida apenas com representação artística, como no caso dos atores interpretando personagens em uma novela. Para mim é inaceitável vender uma opinião. No Instagram, Facebook, YouTube, há um despreparo muito grande. Você abre o perfil de vários influenciadores e há diversos posts que não deixam claro que aquilo é um informe publicitário. Temos que nos submeter a normas éticas, seja um site de jornalismo, um blog de maquiagem, um perfil do Instagram ou um programa do YouTube. A internet não pode ser uma terra sem lei. É muito importante que os youtubers e os influenciadores digitais se preocupem com isso. Não é só postar e ganhar dinheiro.

Quem deve ser cobrado? Em primeiro lugar, deve-se exigir comprometimento ético das agências de publicidade e dos agentes de youtubers. Esses são os profissionais que sabem o que estão fazendo – ou deveriam saber.

E a responsabilidade do próprio youtuber? Não vou isentar ninguém. O que digo é que de um lado você tem pessoas mais experientes que deveriam compreender muito bem essas normas. E na ponta você tem os youtubers, em geral jovens que nunca lidaram profissionalmente com isso antes, nunca receberam treinamento. Claro que não podemos tirar a culpa deles. Os youtubers precisam estudar para compreender o universo em que trabalham. Eu já cometi esse erro, não me isento.

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Foi por isso que rejeitou a campanha do MEC com elogios de youtubers à reforma do ensino médio? Sim. Quando chegou o briefing, a gente agradeceu e disse que não tinha interesse. Eu não posso elogiar algo, como se estivesse opinando por conta própria, e receber por isso. Não faz o menor sentido. Eu estaria vendendo minha opinião. Dessa forma, eu perco a credibilidade com meu público. Mas jamais achei que fosse ter esse escândalo todo. Nem pretendi, ao rejeitar a oferta, dar um exemplo de ética e comprometimento.

Por que acha que o governo foi atrás de youtubers para falar sobre a reforma? Muita gente fez escândalo dizendo que era um absurdo pagar pela campanha. Mas é normal o governo fazer marketing digital. A questão é como isso é feito. Esse é um momento de completa ruptura para a indústria cultural. A TV decresce em audiência progressivamente, e isso é observado em qualquer medição séria. O governo federal precisava impactar jovens. Eles vão fazer isso em ‘Malhação’? Claro que não. Nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, a verba da publicidade digital cresce exponencialmente, e a verba para o mercado off-line decresce. Aqui no Brasil continua um colosso no off-line e uma migalha no digital.

O meio digital está bem preparado para receber os recursos que estão migrando os meios tradicionais? O meio digital teve tempo, mas acho que não se preparou o suficiente. Isso é bem visível nos últimos escândalos. Olha o caso que aconteceu agora: algumas empresas tiraram a verba do YouTube porque o filtro publicitário era muito ruim. Vídeos terroristas exibiam propaganda de marcas de alcance mundial. Esse filtro, a curadoria, o cuidado, a preocupação, tudo isso tem que estar presente na plataforma.

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Rafinha Bastos deu uma entrevista para o Lobão, e o Lobão perguntou: “O que você acha desses caras aí, fazendo vídeo?”, e o próprio Rafinha disse: “Isso é moda, é passageiro. Daqui a pouco acabou”. Anos depois, o Rafinha escreveu o prefácio do meu livro

Quais os pecados mais comuns dos youtubers e agências? Principalmente o desespero, a pressa para fazer alguma coisa. Isso resulta em desastres. Olha o desempenho de youtubers no cinema. O filme do Porta dos Fundos teve menos público que o pior vídeo deles no canal. O do Christian Figueiredo também. Onde fica o cuidado, a atenção aos detalhes? É um erro essa pressa, porque o digital não vai sumir. O digital não é uma onda.

Como começou a sua carreira de youtuber? Comecei fazendo vídeos em 2010, aos 22 anos. Meu canal se chamava ‘Não Faz Sentido’, e minha marca, os óculos escuros. Nos vídeos, eu era um cara agressivo, raivoso, que criticava tudo o tempo inteiro – o Justin Bieber, o Restart etc. A projeção foi muito grande, e no mesmo ano eu vi que podia ganhar dinheiro com isso. O primeiro merchandising de canal de YouTube no Brasil foi no meu, uma campanha da Chiclets. Ali ganhei meus primeiros R$ 12 mil, mais dinheiro do que eu jamais tinha ganhado na vida toda. Lembro que nessa época o Rafinha Bastos deu uma entrevista para o Lobão, e o Lobão perguntou: “O que você acha desses caras aí, fazendo vídeo?”, e o próprio Rafinha disse: “Isso é moda, é passageiro. Daqui a pouco acabou”. Anos depois, o Rafinha escreveu o prefácio do meu livro.

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Por que decidiu inaugurar um canal novo e fechar o antigo? Com o passar do tempo, o que é muito polêmico, o que é muito dramático, fica chato. E eu cansei de viver no mundo da polêmica, da crítica a todo custo. Em 2013, comecei a reduzir a frequência de vídeos e me dediquei à empresa que abri, a Paramarker, que investe em canais do YouTube. Em 2016, resolvi criar meu novo programa, que leva apenas o meu nome. Mas hoje sou bastante ‘Nutella’ – e falo isso de maneira positiva. Quando comecei no YouTube, usava expressões que jamais usaria hoje, como “viadinho”, “boiola”. É que eu cresci com uma visão preconceituosa e levei algum tempo para aprender que estava errado. Amadurecer fez parte dessa fase da minha vida. E tomei muita pedrada por mudar de atitude. Quando quis criar coisas novas para o YouTube, a primeira coisa que eu ouvi foi: “Você vai pagar mico”. Eu tinha me tornado irrelevante. Cheguei a pensar que era uma burrada voltar, porque quem gostava do canal antigo ficaria bravo com mudança e quem não gostava ia achar que eu estava tentando fazer isso só para agradar. Mas tracei uma estratégia e martelei muitas palavras-chave para conquistar audiência. Eu comecei a falar para as pessoas: “volte a se inscrever”, “chame seus amigos”, “fale sobre essa mudança”.

Você se define como um youtuber? Acho que o termo youtuber é equivocado. Não me considero um youtuber. Eu sou um comunicador. O digital quebrou muitas barreiras por isso também: você tem que ser o apresentador, o diretor, a pessoa que filma, o editor, o fotógrafo, quem analisa os números, vende campanhas, que faz reunião. Acho graça quando ouço alguém dizendo que o youtuber ganha dinheiro sem fazer nada, só fica falando um monte de besteiras. Eles não têm a menor ideia do trabalho que dá. Podem ser vídeos falando bobagem, mas sofremos para manter nosso conteúdo em dia. Estou desde setembro produzindo conteúdo todos os dias. São 18 a 20 horas de trabalho por dia.

A Paramarker foi vendida em 2015. Pretende abrir outros negócios? Sim. Eu tenho dois lados da minha vida que caminham muito juntos, o artístico e o empreendedor. Nesse momento, não sou sócio de nenhum negócio. Porém, sou o principal agenciado de uma empresa que ainda não foi anunciada no mercado, a Take 4 Content. Ela tem como objetivo atrair esses investimentos digitais de publicidade e fazer essa migração de investimento do off-line para o online. É uma empresa chefiada pelo jornalista João Pedro Paes Leme, Cassiano Scarambone, dono da produtora Millagro, e o Lucas Neto, meu irmão. Não estou envolvido nesse negócio como sócio, mas sou o rosto mais forte para as campanhas publicitárias e estou muito mais feliz agora que estou conseguindo fazer isso e ao mesmo tempo os vídeos do meu canal.

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