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Fagundes sobre revisionismo na literatura: ‘É um absurdo mudar clássicos’

Ator lança 'Tem um Livro Aqui que Você Vai Gostar', seleção com dicas de leituras variadas

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 dez 2020, 18h56 - Publicado em 8 dez 2020, 16h17

Ator requisitado na TV, cinema e teatro, Antonio Fagundes, 71 anos, dificilmente parava em casa – isso antes de 2020 impor uma quarentena e o distanciamento social. Inicialmente, o tempo, por assim dizer, de molho, foi visto por ele como uma chance de ler ainda mais – o ator consome de dois a três livros por semana. Por fim, o ano acabou sendo muito mais agitado do que Fagundes esperava. “Fiz tantas lives e li tantos roteiros que me mandaram, que acabei trabalhando bastante”, diz. Entre os projetos abraçados por ele nos últimos meses está sua primeira investida na escrita de um livro. Publicado pela editora Sextante, Tem um Livro Aqui que Você Vai Gostar traz 150 dicas de leitura do ator e leitor voraz. Apesar da seleção robusta, aparentemente destinada aos que já possuem o hábito de ler, Fagundes vê no título uma maneira de instigar novos leitores. A VEJA, ele fala sobre alguns dos livros escolhidos e dá dicas de como desenvolver a paixão pela leitura:

 

Sendo um leitor voraz, seus amigos costumam pedir com frequência indicações de livros? Na verdade, como costumo falar sobre livros no Instagram, as pessoas me perguntam o que estou lendo. No fundo, acho difícil indicar livro para uma pessoa. É necessário conhecer os gostos dela, bagagem cultural e histórica, além de vocabulário. Não dá para recomendar Platão para quem nem leu O Pequeno Príncipe. Pensando nisso, percebi que não dava para indicar um livro ou dois, por isso saiu uma lista de mais de 150. Se alguém comprar e ler pelo menos um dos livros ali, já estou feliz.

O senhor empresta livros? Nunca. Livro que eu leio é meu para o resto da vida (risos). Não empresto. Prefiro comprar outro e dar de presente. Assumo que nem sei quantos livros tenho em casa.

Em um capítulo, o senhor fala de clássicos que todo mundo diz que leu, mas nunca leu, só viu um filme, como Dom Quixote. Prefere então os livros às adaptações? O filme, eu digo, tem alguém lendo o livro para você. Estão interpretando, tem um cenário, figurino, tipo de ator. Já vem pronto. O cinema é imediato. Na leitura, esse processo é com você. O leitor é o dono da história. Você lê a descrição e imagina a cara do personagem, a roupa, se está calor. Você entra na história com mais profundidade. Frankenstein, por exemplo, ficou famoso com um filme que não tem nada a ver com o livro. Ao ler esta obra da autora Mary Shelley, você entende a humanidade. É o Prometeu moderno, ele questiona até onde a ciência pode ir, faz uma associação da humanidade diante do criador Deus, pode ser até uma leitura feminista. Por isso é importante ler o livro e não só ver o filme.

Quantas vezes o senhor leu Dom QuixoteAcho que umas quatro vezes, e ainda não entendi tudo direito. Que livro deslumbrante! É muito rico. Tem um livro dentro do livro dentro do livro. É moderníssimo.

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Capa da obra 'Tem um Livro Aqui que Você Vai Gostar', de Antonio Fagundes
Capa da obra ‘Tem um Livro Aqui que Você Vai Gostar’, de Antonio Fagundes (//Divulgação)

No livro, o senhor diz que leu cada peça de Shakespeare três vezes. Que paixão é essa? E digo que três também foi pouco. Como disse Harold Bloom: Shakespeare inventou o humano. E interessante que eu não tenho vontade de montar Shakespeare. Uma adaptação, especialmente no Brasil, demanda mexer muito no texto para torná-lo mais palatável. O que descaracterizaria a obra. Por isso, prefiro ler as peças, que são riquíssimas. Repletas de possibilidades, enfoques filosóficos, sociológicos…

Hoje vemos um movimento de revisionismo de obras do passado, assim como o “cancelamento” de seus autores. Alguns deles estão entre as indicações dos seus livros, como H.P. Lovecraft, acusado de racismo, e Arthur Conan Doyle, o autor de Sherlock Holmes, tido como machista. Como vê esse momento? Acho um absurdo mudar clássicos. É necessário estimular as pessoas a entenderem o que é machismo, por exemplo, mas não destruir a obra do cara. Ele era machista na época dele, e na época era o que tinha que ser. Estamos evoluindo – se bem que não sei se evoluímos tanto assim na verdade. Mas destruir a obra de alguém para atender uma corrente não é uma coisa boa. Eu prefiro separar obra de autor.

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Suas dicas de leitura são variadas, mas é perceptível um gosto por livros obscuros, como thrillers e suspense. Se fizer um apanhado, eu gosto de tudo. O gênero que eu gosto é o do livro bom. Sobre suspenses e thrillers, gosto bastante do Stephen King, do Lovecraft, e de nacionais como Raphael Montes e Patrícia Melo. Eles escrevem muito bem o gênero policial, que é pouco explorado no Brasil. Nosso país, aliás, tem um problema com gênero. Nosso cinema ou é comédia ou cult, são poucos de ficção científica, terror, policial. E fico feliz de ver autores jovens como eles sendo reconhecidos pelo bom trabalho.

Seu livro também traz dicas práticas de como se dedicar à leitura e adquirir esse hábito. Um dos vilões apontados é o celular. Como lida com esse vício moderno? Eu coloco limites. Uso o Instagram uma hora por dia. Na sexta-feira, coloco o celular na gaveta e só tiro de lá na segunda de manhã. Ando até pensando em fazer isso um dia no meio da semana também.

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