Engenheiro de computação faz sucesso na web como “coach de fracassos”
Cearense de 34 anos, Julio Peixoto criou perfil que oferece antídoto às pílulas de otimismo da autoajuda
Com o perfil Coach de Fracassos, que satiriza os conselhos desses profissionais, você arrebanhou mais de 500 000 seguidores no Instagram. A que se deve o sucesso? Eu não esperava conseguir tantos seguidores. O projeto começou no Facebook, mas logo percebi que os coaches estavam no Instagram. Eu precisava levar a humanização do fracasso para a rede social mais feliz do mundo. As mesmas pessoas que fazem textões e brigam por causa de política no Facebook postam foto de biquíni, felizes da vida, no Instagram. Além desse diferencial, outro fator do sucesso é que as pessoas estão cansadas do termo coach. Elas não aguentam mais gente que se propõe a “consertar” sua vida. Sei de coaches que estão até trocando o nome nas redes sociais. Agora, viraram “mentores”.
Por que a aversão pelos coaches? Na verdade, é ranço. São pessoas completamente despreparadas para aquilo que prometem fazer. Na última década, por causa da crise econômica, as pessoas ficaram desesperadas. Algumas viraram Uber, outras se tornaram coaches. Há profissionais que realmente usam técnicas reconhecidas pela psicologia e que não são mentirosos. Mas a maioria, infelizmente, não é séria. É o conto do vigário do século XXI.
Qual foi seu maior fracasso? Meu grande fracasso foi um tipo de vitória para algumas pessoas. Eu estava trabalhando em uma empresa havia nove anos e queria muito ser demitido. Mas o RH me chamou e comunicou que eu seria promovido, com um aumento significativo de salário. Eu me senti um lixo, foi horrível. Aumentaram muito as responsabilidades, e eu só queria sossego e paz. Dois anos depois, eu me demiti.
O que é a “positividade tóxica” que o Coach de Fracassos tanto ataca? Antes de mais nada, eu queria dizer que não é errado ser positivo. Mas fico irritado com gente que está o tempo todo de bem com a vida e sempre tem algo bom para falar em horas críticas. A pessoa está sem dinheiro, passando fome e chega o sujeito da positividade tóxica falando que tudo vai dar certo, que é só acreditar e canalizar energias positivas. Antes de ser legal, seja verdadeiro com quem está em dificuldade.
Gratidão pela entrevista? Ah, não. Esse sentimento é tão forte, mas os coaches o banalizaram. A pessoa está abrindo a porta da padaria e já recebe a “gratidão” de alguém. Não sou contra a gratidão, só acho que somos gratos desse modo a poucas pessoas, como nossos pais, e não a qualquer um que encontramos na rua.
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671