Em ‘Caixa de Palavras’, autor defende uma causa nobre: o amor pelos livros
O advogado e escritor José Roberto de Castro Neves faz um exame apaixonante e cheio de erudição sobre o tema
A competição é ingrata: num mundo hiperconectado, barulhento, cheio de telas interativas e falantes, como poderiam ainda existir objetos tão sem graça como os livros? Essa é apenas uma das perguntas que o advogado e escritor José Roberto de Castro Neves, 52 anos, busca responder em Caixa de Palavras — Por que Você Deve Ler (e o que Ler). Leitor voraz e perspicaz, o autor elenca bons motivos para quem quer começar (ou continuar) a ler: conhecer a si mesmo, entender a humanidade, aprimorar a comunicação e melhorar a interpretação da realidade. Para expor seus argumentos, Castro Neves conta com uma ótima amostragem do melhor da literatura já produzida até hoje. Quase duas centenas de títulos são mencionadas ao longo dos seis capítulos. O menu contempla desde a Bíblia e o Corão, passando por clássicos gregos e latinos, cânones incontestes como Shakespeare e Cervantes, autores da contracultura e chegando até ao bruxinho Harry Potter. “A leitura, paradoxalmente, nos tira deste mundo, para, ao mesmo tempo, nos colocar mais atentos a ele”, observa o autor.
Caixa de Palavras: Por que você deve ler (e o que ler)
O paradoxo ganha contornos de quase magia em nossos dias de rolagem frenética (e inócua) de telas, com feeds intermináveis e infinitas possibilidades de entretenimento ao alcance das mãos. Nessa era de incessantes estímulos, a experiência quase monástica da leitura torna-se um desafio. Afinal, é na solidão e na quietude — sem dancinhas ou likes — que os leitores se encontram com personagens, vivem histórias, aprendem e refletem. “Trata-se de um ato de isolação amistosa. ‘Geograficamente’, ela (a leitura) se concentra na cabeça do leitor. Na sua mente — e apenas nela — tudo acontece”, explica.
O livro que mudou a minha vida
Castro Neves demonstra que a leitura ativa é indissociável do ato de pensar. Os leitores têm de dialogar com as histórias para criar imagens mentais dos personagens e das situações, concordarem ou discordarem de argumentos, conectarem fatos passados, presentes ou futuros numa mesma linha temporal. Não é a leitura mecânica (como o ato de ler um rótulo de xampu) que altera os estados mentais, é o entendimento e a reflexão que emocionam, enaltecem, agradam, assustam ou provocam os leitores.
Para engajar novos adeptos da leitura, o autor é pragmático em seus conselhos. “Nunca brigue com um livro. Se ele não te agrada, abandone-o sem remorso”. Castro Neves defende que, para se transformar em um hábito, a leitura nunca pode se tornar enfadonha, deve ser sempre algo prazeroso e estimulante. Assim, a quem deseja começar a ler, é válido começar por temas, autores e estilos com que se identifique ou pelos quais tenha interesse. Ele confessa que, mesmo advertido sobre a complexidade do livro, tentou ler Em Busca do Tempo Perdido aos 18 anos — e falhou miseravelmente. Imaturo, não tinha a vivência necessária para desfrutar as camadas da obra-prima de Marcel Proust.
Se o livro de Castro Neves comete o pecadilho de revelar muitos spoilers (ainda que inúmeras das obras abordadas sejam conhecidíssimas, nem todos as leram, sobretudo, os leitores iniciantes), ele compensa isso amplamente ao apostar num formato enciclopédico. Caixa de Palavras não é só um ensaio em defesa da literatura e para incentivar a leitura: é um guia de consultas para leitores que desejam conhecer um pouco mais sobre as muitas obras consagradas. A edição facilita essa possibilidade, com um índice dos livros citados e muitas imagens que permitem aos leitores localizar facilmente resumos, comentários e histórias de algumas das mais belas e importantes obras da humanidade.
Castro Neves chama a atenção e valoriza uma capacidade inigualável dos livros: despertar a empatia em leitores. Mais que uma palavra da moda, a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa é uma das características basilares da vida em sociedade. Nenhuma outra forma de arte ou tecnologia já inventadas tem a capacidade dos livros de despertar a alteridade em seus usuários. Nenhuma outra experiência de diversão e/ou aprendizado permite tão bem ver o mundo com outros olhos, viver as vidas dos outros e pensar por cabeças alheias. “O livro nos coloca em situações de tensão, de empatia, de medo, de asco, de paixão. Somos levados a refletir e ganhamos novos horizontes”, escreve o autor. Além dos benefícios e prazeres citados por Castro Neves em defesa da leitura, ele menciona uma pesquisa conduzida pela Universidade de Roma indicando que as pessoas que leem são mais felizes que as que não têm esse hábito. Sua obra é uma defesa eloquente dessa causa nobre.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843
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