David Hockney: o artista pop que mudou a pintura – e disse não à rainha
Um dos inventores da pop art ganha sua maior retrospectiva aos 87 anos, em Paris

Ao sobrevoar Los Angeles pela primeira vez, em 1964, o inglês David Hockney se apaixonou pelas formas em azul-turquesa que denunciavam as numerosas piscinas daquele Éden artificial. Então aos 27 anos, ele já havia idealizado o cenário e as companhias que encontraria por lá antes mesmo de chegar ao local — onde viveria de forma intermitente até 2005. E não se decepcionou. Sem delongas, logo se misturou à elite artística americana da época, fez amizades notórias como as de Andy Warhol e Billy Wilder e viveu livremente como homem gay. Apaixonou-se e teve o coração partido após conhecer outro artista, Peter Schlesinger, de 18 anos. Com a ferida amorosa ainda aberta, pintou a mais famosa das obras dedicadas aos corpos d’água, que fez entre 1971 e 1972: Retrato de um Artista (Piscina com Duas Figuras), na qual o amante é visto encarando um homem submerso.
Colorida pela tinta acrílica vibrante típica, a obra equilibra seus dotes da pintura figurativa com o quê materialista da pop art e se tornou uma das imagens mais influentes do século XX. Em 2018, foi leiloada por 90,3 milhões de dólares e bateu o recorde do valor pago pelo trabalho de um artista vivo. Em 2025, a emblemática tela poderá ser vista pelo público que visitar a mostra David Hockney 25 — a mais abrangente dos setenta anos de carreira do mestre —, que ocupa a Fundação Louis Vuitton, em Paris, até o dia 31 de agosto.

Composta de mais de 400 obras feitas entre 1955 e 2025, a exposição agrega telas, fotografias, ilustrações e projetos de cenografia realizados pelo artista de 87 anos, um perfeito dândi britânico que jamais se prendeu a uma temática ou formato. No último andar, uma série de reproduções ilumina as referências do pintor — profundo estudioso da história da arte, ele bebe de Van Gogh, Paul Cézanne, Claude Lorrain, Fra Angelico e, principalmente, Pablo Picasso.
Hockney não emula o cubismo do espanhol, mas compartilha a crença de que reproduzir feições não é tarefa simples ou direta. Para realmente saber a aparência do modelo, ele exige conhecê-lo intimamente e, por isso, apenas retrata amigos. O critério fez com que seu repertório contasse com diversos rostos notórios da boemia setentista, à maneira das polaroids de Warhol. Posaram para ele a drag queen Divine, o escritor Christopher Isherwood, o retratista Don Bachardy e a designer Celia Birtwell, entre outros. Em 2023, pintou o pop star Harry Styles, mas não sabe dizer se o conhecia o suficiente. “Todos são diferentes e, como as folhas de uma árvore, caem de pouco em pouco”, explica. Por esse motivo, em certa ocasião se recusou a retratar a rainha Elizabeth II. Dias atrás, recebeu visita do filho dela, ninguém menos do que o rei Charles III — e também desconversou sobre retratá-lo.

Um dos poucos sobreviventes de seu tempo, Hockney sente o peso do passado, mas não é saudosista. Já disse saber que viveu durante “a era mais livre da história”, ainda que reconheça que aquele tempo se foi: “Por isso me tranquei em uma casa na Normandia, onde posso fumar e fazer o que quiser”. Lá, vive com o parceiro, Jean-Pierre Gonçalves de Lima, e tem se dedicado principalmente a paisagens ilustradas em iPad desde 2010, destacadas em telas na Fundação Louis Vuitton. Agora, contudo, Hockney já deixou de lado o frisson digital e retomou a produção feita à mão com tinta acrílica. Dentro dele, permanece a liberdade dos anos 1970: “Podem debater sobre o passado quanto quiserem, eu só sigo para a próxima coisa”, afirma. Com tantas histórias, o artista traduz sua sabedoria num dos quadros mais recentes, Depois de Blake: Menos Se Sabe do que Se Pensa (2024), cujo canto inferior proclama: “É o agora que é eterno”. O dândi mergulhou fundo na vida – e na arte.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939