Dacher Keltner, psicólogo por trás de Divertida Mente: ‘Vivemos ansiosos’
Professor da Universidade da Califórnia fala de seu trabalho no hit de bilheteria que trata de saúde mental
Como foi seu envolvimento como consultor em Divertida Mente 2? O diretor do filme, Pete Docter, me convidou para contribuir no primeiro filme, em 2015, depois em Soul (2020) e, agora, neste novo longa. Estudo emoções há 25 anos, comando um laboratório de pesquisa na Universidade da Califórnia e sempre tive curiosidade e muitas perguntas sobre o tema. Em Divertida Mente 2, a ideia era mostrar como as emoções de uma garota mudam quando ela chega aos 13 anos, e eu forneci alguns dados baseados na ciência.
Como no filme, a ansiedade se tornou um grande mal moderno. Estamos enfrentando uma epidemia de ansiedade mundial? Sim, não há dúvida. Nos últimos vinte anos, as taxas de estresse, ansiedade e os diagnósticos clínicos de transtorno de ansiedade aumentaram dramaticamente, de 20% a 30%. E os números são ainda maiores entre mulheres jovens, de 13 a 25 anos.
E quais são as razões disso? A pandemia, as pressões acadêmicas, as crises climáticas e políticas. E hoje as jovens não só precisam ser bonitas, gentis e solidárias, elas também têm de ser brilhantes e ostentar carreiras bem-sucedidas.
Podemos relacionar essa epidemia a outros momentos históricos? Acredito que houve explosão da ansiedade no período anterior à Revolução Francesa, em que havia muita turbulência e injustiça econômica naquele país. Assim como durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, ou ainda na Grande Depressão, épocas em que também ocorreu muita instabilidade política e financeira.
Divertida Mente 2 é o maior hit dos cinemas neste ano, com 1,2 bilhão de dólares de bilheteria global. A que atribui o fenômeno? É interessante ver que, em um mundo de tantas lutas, a ansiedade muitas vezes não chama muita atenção. Conversamos sobre depressão, esquizofrenia, psicose, mas não de ansiedade. O filme dá às pessoas a oportunidade de falar sobre por que esta é a era da ansiedade, e como podemos lidar melhor com ela.
O que pensa sobre o abuso de ansiolíticos? Acabou de sair um artigo científico na Inglaterra dizendo que a depressão não está associada a níveis mais baixos de serotonina. E o uso de remédios para aumentar serotonina é ideia central no tratamento farmacêutico da depressão. A questão mais provocativa é se não estamos confiando demais em produtos farmacêuticos, especialmente receitados aos jovens.
É possível obter algo positivo da ansiedade? Acredito que sim. Todos nós temos muitas emoções, mas elas podem nos levar a algo bom, como nos esforçar para sermos melhores diariamente.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2024, edição nº 2901