Contra inundações e guerras, Louvre ganha endereço de emergência
Museu realocou parte do acervo para o recém-inaugurado Centro de Conservação em Liévin, a 200 km de Paris, em estrutura que remete a um bunker
Em junho de 2016, Paris foi tomada por uma temporada de inundações do Rio Sena que arrepiou a espinha de qualquer pessoa com o mínimo de apreço por arte: em um declive próximo às margens do rio, reside o icônico Museu do Louvre. À época das cheias sem precedentes, a instituição estava ameaçada de perder parte do acervo subterrâneo por causa da água – não fosse uma operação de emergência de 24 horas por dia que embrulhou, engradou e transportou milhares de objetos para áreas mais altas do museu. A situação de quase calamidade serviu como um alerta: dada a instabilidade do Sena, era preciso repensar a estrutura do Louvre para proteger as inestimáveis obras guardadas nos depósitos abaixo dos andares térreos. O resultado dessa estratégia pode ser visto hoje no Centro de Conservação do Louvre, uma estrutura de vidro, concreto e aço instalada na cidade de Liévin, a quase 200 quilômetros de Paris, que guardará mais de 250.000 peças de arte realocadas.
“O nosso museu está em uma zona de inundação, e não é tão simples assim pegar e mover esculturas de mármore”, disse Jean-Luc Martinez, diretor do museu, em entrevista ao jornal americano The New York Times. “Havia o perigo que aquelas águas sujas e residuais do Sena danificassem a arte. Precisávamos encontrar uma solução. Urgentemente.” Ao longo de 16 meses, um fluxo silencioso de caminhões vem transportando obras de Paris para Liévin. Ao todo, mais de 100.000 peças – datadas da Antiguidade ao século XIX – já mudaram de endereço, incluindo pinturas, carpetes, tapetes, figurinos, móveis e grandes esculturas.
A construção em Liévin, que começou em 2017, custou aproximadamente 60 milhões de euros (algo em torno de 390 milhões de reais na atual cotação), embora grande parte do terreno tenha sido vendida pelo valor simbólico de 1 euro. Outrora um próspero centro de mineração, a cidade nunca se recuperou totalmente das sequelas da Primeira Guerra Mundial, então a notícia que o Louvre objetivava uma expansão por lá – e traria consigo uma boa soma de visitantes – foi vista com bons olhos.
A estrutura emula um bunker, parcialmente enterrada na paisagem da cidade e protegida tal qual uma fortaleza. Um subsolo de areias e rochas calcárias absorve o excesso de chuva, enquanto um sistema especial de detecção de vazamentos, feito na Alemanha, impermeabiliza o telhado. Complexas estruturas de segurança protegem o acervo contra os mais diversos perigos, de ataques terroristas e incêndios a pragas naturais (como besouros e outros insetos) – tudo isso somado a seis cofres com paredes de concreto que se estendem por quase 10.000 metros quadrados. Tamanha artilharia de defesa também pode ser aproveitada por outros museus, caso haja perigo de destruição em países que enfrentam guerras e conflitos.
A ideia é que o Centro de Conservação seja uma espécie de refúgio da arte, com espaços reservados para artesãos, restauradores, pesquisadores e fotógrafos, bem como se torne um centro de referência em pesquisas artísticas. “Aqui podemos fazer pesquisas profundas, bem longe da agitação de Paris – e da preocupação com enchentes”, disse Isabelle Hasselin, curadora e pesquisadora de longa data. “Que alívio.”
Dono do maior acervo de arte do mundo, o Louvre tem mais de 620.000 obras sob sua tutela – destas, “apenas” 35.000 estão expostas em Paris, enquanto outras 35.000 estão distribuídas por museus franceses. Além das realocadas em Liévin, mais 250.000 peças – principalmente desenhos e manuscritos, fotossensíveis demais para serem expostos – continuarão no subterrâneo de Paris, mas, agora em andares mais altos, ostentam uma garantia sem prazo de validade: a de que estarão sãs e salvas de qualquer perigo.