Castrar meninos cantores para manter voz fina já foi considerado normal
Procedimento ganhou força entre os séculos XVI e XVIII, para que homens atingissem extensões vocais femininas
Nesta quinta-feira, o cardiologista Conrad Murray, médico que cuidava de Michael Jackson à época de sua morte, revelou que o pai do cantor castrou quimicamente o filho na infância para manter fina a sua voz. A notícia, que envolve o eternamente polêmico Joe Jackson, tem causado choque, mas a verdade é que a castração de meninos no cenário musical é uma prática antiga — e já foi socialmente aceita, especialmente pelos italianos.
A castração masculina remete a eras longínquas. Há registros de que ocorria como punição no Império Bizantino (330 – 1453), mas foi a partir do século XVI que ela passou a ser empregada como recurso musical na Europa.
Entre os séculos XVI e XVIII, o procedimento se tornou comum na Itália, como recurso para que,a o cantor, os homens pudessem atingir extensões vocais mais comuns entre mulheres, como as de soprano ou contralto.
De acordo com o jornal britânico The Guardian, oito anos era a idade mais comum para a castração física de meninos. A retirada dos testículos fazia com que não ocorresse a liberação de hormônios masculinos para a corrente sanguínea com a chegada da puberdade. Os castrati, normalmente, eram altos, não tinham barba nem pomo-de-adão e tinham tendência a engordar.
Em 1599, o Papa Clemente III aceitou os castrati pela primeira vez no coral da Capela Sistina. Depois da proibição da participação de mulheres nos palcos de óperas, em 1686, a valorização dos homens de voz angelical aumentou ainda mais. Estima-se que, entre os séculos XVII e XVIII, 5.000 meninos tenham sido castrados por ano, na esperança de se sagrar cantores.
Apenas alguns deles, porém, se consagravam por sua capacidade vocal. Um dos castrati mais conhecido foi Farinelli, que ficou marcado como um dos cantores de ópera mais bem pagos da Europa no século XVIII. A sua história foi adaptada para o filme de 1994 de mesmo nome, estrelado por Stefano Dionisi.
Os castrati tinham grande abertura também junto à nobreza italiana da época. Eles eram considerados grandes amantes, tanto de mulheres quanto de homens. De acordo com o Guardian, eles “aguentavam mais tempo” durante o ato.
Já no século XIX, a forma como se encaravam os castrati mudou. Países como a França começaram a criticar a castração e o fato de os cantores não serem capazes de ter filhos. Em 1902, o Papa Leão XIII vetou qualquer novo castrati do seu coro.
Alessandro Moreschi, que se aposentou do coral da Capela Sistina em 1913, é considerado o último castrati da história. No entanto, muitos acreditam que o cantor Domenico Mancini, que integrou o mesmo coral até 1959, também era castrado. Confira um vídeo com os vocais de Moreschi, gravados por um gramafone: