“Chega de se esconder”, diz Kyra Gracie, após ataques pelos quilos a mais
A campeã de jiu-jítsu, 35 anos, fala sobre ter engordado depois da gravidez e como lidou com a reação negativa de parte do público
Decidi mostrar a vida real, imperfeita como ela é, depois da minha terceira gravidez. E foi libertador. Venho do mundo do esporte, um meio onde os títulos importam muito mais do que o que você está vestindo ou se o seu corte de cabelo é o da moda. Quando engatei um namoro com um ator (Malvino Salvador, com quem é casada há sete anos), de repente me vi em um universo desconhecido, sentindo na pele uma enorme pressão para me enquadrar naquele padrão idealizado, movido a fofocas e críticas. Na primeira vez que fui à praia com ele, havia um batalhão de paparazzi. Travei. Não sabia se ficava na cadeira, encolhia a barriga ou ajeitava o coque. Aí minhas duas primeiras filhas nasceram (irmãs de Rayan, o bebê de 2 meses na foto) e engordei uns 18 quilos, o mesmo que agora. Naquela época, eu me escondia, usava vestidos longos que disfarçavam o excesso de peso e quase não postava mais nada na internet. Tinha vergonha do meu corpo e receio dos comentários que viriam. Hoje, estou com 68 quilos, 10 além do meu normal. Mas já não me escondo. Ao contrário. Exponho-me nas redes como estou — e estou muito bem.
No pós-parto, a maioria das mulheres fica acima do peso, fora de forma mesmo, com a barriga flácida, celulite, além de sentir um cansaço descomunal. Não estou aqui para julgar quem usa Photoshop e filtros para sair bem na foto, cada um busca a felicidade como quer. Mas começou a me incomodar o fato de a maternidade exibida nas redes sociais ser tão distante da realidade que toda mãe conhece. É muito comum ver uma famosa postando imagens, semanas depois de ter dado à luz, toda sarada, linda e superbem-disposta. Nunca aconteceu comigo. E olha que tenho um histórico de muito exercício — fui pentacampeã mundial de jiu-jítsu, esporte que ainda ensino e que é minha vida. Isso tudo me fez refletir e perceber quanto me deixei influenciar pela cobrança de uma perfeição irreal. Em um certo momento, estava perdendo a essência do que aprendi no tatame: a simplicidade e a luta constante para fortalecer a autoestima.
Quando coloquei na rede social a primeira foto segurando o Rayan e a barriga disforme à mostra, em fevereiro, veio uma enxurrada de críticas. Havia comentários maldosos do tipo: ‘Você está horrorosa, gorda, como tem coragem de divulgar isso?’ ou ‘Olha, o Malvino vai te trocar’. Ao mesmo tempo, recebi mensagens de mulheres que se identificaram, afirmando que meu gesto as havia encorajado a assumir como são de verdade. Essa não é a primeira vez que me vi acuada — e resolvi enfrentar os meus medos.
Pertenço a uma linhagem tradicional do jiu-jítsu, dos pioneiros dessa arte marcial no país. Não é exagero dizer que já nasci de quimono. Quando estreei no esporte, era um universo machista, mesmo dentro da minha família. Desestimulavam as mulheres a seguir a carreira. Ouvi mais de uma vez: ‘Homem não gosta de mulher lutadora’. Não foi fácil. Pensei em desistir, mas consegui alcançar o meu objetivo: ser a primeira a conquistar a faixa preta no Brasil. Sempre encarei minhas fragilidades e as transformei em motivação para vencer. Vale também para o que vivo na fase atual, em relação a gravidez e a aparência. Há algumas semanas, eu e o Malvino posamos para uma capa de revista apresentando o Rayan. É inacreditável como fui atacada só porque estava sem fazer as unhas, com o esmalte descascando. Mas não me intimidei. Quinze dias depois do parto, fui à praia para dar um mergulho. Fiz questão de usar biquíni e não me preocupei em disfarçar nenhuma gordurinha. Espero com isso estar ajudando outras mulheres que passam a vida perseguindo ideais que não existem. Chega de se esconder.
Kyra Gracie em depoimento a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730