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Cannes: Sofia Coppola coloca mulheres no centro da trama

Suave, refilmagem de 'O Estranho que Nós Amamos' muda o foco da história do soldado ferido abrigado num internato feminino

Por Mariane Morisawa, de Cannes
Atualizado em 24 Maio 2017, 11h00 - Publicado em 24 Maio 2017, 11h00

Sofia Coppola havia jurado para si mesma que jamais faria uma refilmagem, mas mudou de ideia ao ver O Estranho que Nós Amamos (1971), de Don Siegel. O filme, estrelado por Clint Eastwood, foi uma indicação da amiga e designer de produção Anne Ross. No longa, Eastwood é um soldado da União ferido que chega à porta de um internato feminino no Sul dos Estados Unidos, durante a Guerra de Secessão. Não sem relutância, ele é abrigado pela dona do local, vivida por Nicole Kidman, a professora da instituição (Kirsten Dunst) e suas quatro alunas. “O filme ficou na minha cabeça. O original é sob o ponto de vista do homem. Achei que podia contar a história sob o ponto de vista das mulheres”, disse na entrevista coletiva realizada após a exibição de O Estranho que Nós Amamos na manhã desta quarta-feira, dentro da competição do 70º Festival de Cannes.

Fazer uma refilmagem não é a única coisa inédita neste projeto para Sofia Coppola. É sua primeira oportunidade de filmar um thriller com atmosfera fantasmagórica, com a fotografia belíssima de Philippe Le Sourd e com alguns momentos de sangue – a sempre elegante diretora mostra quando Miss Martha (Nicole Kidman), dona do internato, tira os pedaços de munição da perna do soldado John McBurney (Colin Farrell) e costura a ferida. O Estranho que Nós Amamos é também seu primeiro trabalho no cinema com uma trama bem definida, bem diferente de Encontros e Desencontros (2004), Maria Antonieta (2006) e Um Lugar Qualquer (2010).

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Nicole Kidman é a fria dona do internato feminino em que se passa ‘O Estranho que Nós Amamos’, de Sofia Coppola (Reprodução/Divulgação)

McBurney é encontrado na floresta pela pequena Amy (Oona Lawrence), que colhe cogumelos enquanto ressoam tiros de canhão ao fundo. Com dó de deixá-lo em território Confederado, correndo risco de morrer, ela o leva para o internato, onde sua presença muda a dinâmica da casa onde estão a dona, Miss Martha, a professora Edwina (Kirsten Dunst) e as alunas Jane (Angourie Rice), Marie (Addison Riecke), Emily (Emma Howard) e Alicia (Elle Fanning). Depois de receber o combatente do exército inimigo com desconfiança, apenas porque ele estava ferido e era a coisa certa (e cristã) a fazer, em pouco tempo, elas se veem disputando a atenção de John, que fica envaidecido com o cuidado. Até que o jogo vira, e o soldado educado e atencioso mostra as suas garras.

“Sempre tenho interesse em grupos de mulheres”, disse a diretora. Mas trata-se de Sofia Coppola, e por isso há uma delicadeza até na exposição dessa rivalidade e no papel do homem nessa história toda. O filme não abraça a ideia de que ele seja uma vítima de mulheres vingativas, como Nicole Kidman fez questão de frisar na entrevista coletiva. “Para mim, ele chega e arruína tudo. Nós estávamos bem só nós mesmas, apenas não podíamos ter filhos.”

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Nicole Kidman é a fria dona do internato feminino em que se passa ‘O Estranho que Nós Amamos’, de Sofia Coppola (Reprodução/Divulgação)

Em comparação com o filme de Don Siegel, O Estranho que Nós Amamos de Sofia Coppola é mais suave e menos antibelicista — ao menos, não o é de maneira explícita. Há uma menção breve sobre o fato de McBurney ser um imigrante que recebe dinheiro para ir para a guerra no lugar de outra pessoa, mas a diretora não faz estardalhaço disso. Muitos jornalistas insistiram nas perguntas a respeito do feminismo (ou não) do filme, mas há ambiguidade até nisso. Aquelas mulheres se dividem, mas também se unem quando preciso, sozinhas em um mundo em mutação: foram educadas para atrair bons maridos, e agora não há homens à sua volta. O soldado parece um cara decente, mas talvez não seja totalmente assim.

Mais do que mensagens feministas, a importância de O Estranho que Nós Amamos está no simples fato de ser um longa-metragem em que o homem é minoria e as mulheres têm direito de agir mal. Kidman referiu-se ao fato de ainda serem muito poucas as diretoras na indústria. “Temos de apoiar as cineastas. Muita gente diz que as coisas estão diferente, mas não é o que mostram as estatísticas”, disse ela, referindo-se ao fato de que entre as cem maiores bilheterias de 2016, apenas 4% foram comandadas por mulheres.

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