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Cannes: Michael Haneke aparece mais brando em ‘Happy End’

Diretor austríaco, que pode ganhar sua terceira Palma de Ouro, usa até um pouco de humor para falar de privilégio de classe

Por Mariane Morisawa, de Cannes
Atualizado em 22 Maio 2017, 12h57 - Publicado em 22 Maio 2017, 12h56

Há muitos elementos de obras anteriores de Michael Haneke em Happy End (“final feliz”, na tradução livre), que pode dar a terceira Palma de Ouro ao cineasta austríaco: a câmera escondida que filma cenas íntimas, uma família (e uma classe) em desintegração, personagens quase sempre indefensáveis, a falta de amor como fonte da crueldade das crianças. Mas a verdade é que seu novo longa-metragem tem menos vigor que os últimos trabalhos, Caché (2004), A Fita Branca (2009) e Amor (2012). O ambiente é menos sufocante e há algum espaço para o humor – negro, claro.

Desta vez, o drama se passa em Calais, a cidade à beira-mar que ficou famosa por sua Jungle, uma favela com milhares de refugiados desassistidos. Por isso, criou-se a expectativa de que o filme lidasse diretamente com a questão. Mas os refugiados são praticamente objetos de cena em Happy End, que está interessado em explorar as relações tóxicas dos membros da família Laurent, donos de uma importante construtora que vai mal das pernas.

O patriarca Georges Laurent (Jean-Louis Trintignant) – que parece ser o mesmo personagem de Amor, ou pelo menos uma brincadeira de Haneke nesse sentido – não perde a oportunidade de demonstrar seu desprezo pelo mundo. Cansado da vida, quer ajuda para a própria eutanásia, apesar de não ter problemas de saúde graves. Sua filha Anne (Isabelle Huppert) é a fortaleza, quem dirige a companhia, tentando preparar o filho Pierre (Franz Rogowski) para assumi-la, mesmo que ele não pareça ter o menor traquejo social para isso. O irmão de Anne é o médico Thomas (Mathieu Kassovitz), que precisa abrigar a filha adolescente, Éve (Fantine Harduin), quando a mãe da menina sofre uma suspeita overdose de remédios. Éve é uma jovem estranha, na linha das crianças de A Fita Branca.

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O filme começa com quatro vídeos perturbadores feitos com a câmera do celular (e a tela na vertical) – um deles mostrando o ritual banal de uma mãe antes de dormir, outro um experimento envolvendo um animal de estimação e antidepressivos. Não se sabe quem os fez. As tensões entre os membros da família vão ficando evidentes aos poucos, assim como seus privilégios de classe – um dos temas evidentes da competição deste 70º Festival de Cannes.

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