Há quatro anos, fui diagnosticado com um tumor na garganta, que foi eliminado com radioterapia e quimioterapia. Em 2021, o tumor voltou e, desta vez, a única maneira de resolver era por meio de cirurgia, com a retirada da laringe. Cantar sempre fez parte da minha vida e eu não tinha ideia de como ficaria minha voz e nem mesmo se voltaria a falar. Quando acordei da operação e ouvi da Angela, minha esposa há mais de trinta anos, que tudo correra bem e a equipe médica havia removido apenas metade da laringe — ou seja, a corda vocal direita pôde ser preservada —, fiquei tão feliz e aliviado que é difícil descrever em palavras. Eu teria uma voz e uma vida diferentes, mas estava vivo. Em fevereiro do ano seguinte, apenas três meses depois, comecei uma nova luta. Me internei para a retirada de outro tumor, desta vez na base da língua. Eu estava na UTI após a cirurgia quando sofri uma hemorragia e, antes de apagar, tive a sensação plena de que estava partindo. Cheguei a me despedir da Angela. Naquele momento me senti, surpreendentemente, sereno e em paz. Era uma sensação interessante e flashes da minha vida passaram pela minha cabeça. Felizmente, a hemorragia foi controlada e me recuperei. O amor e cumplicidade da Angela, dos meus filhos Bento, Joaquim e Diana e do nosso neto Pedro também foram fundamentais na minha recuperação.
Tenho poucos e ótimos amigos que estiveram muito presentes nesse processo também. Quando decidimos fazer a turnê do Titãs Encontro com o Arnaldo Antunes, Nando Reis, Charles Gavin e Paulo Miklos, eu já tinha tirado a traqueostomia e estava conseguindo falar, mas ainda não sabia se poderia cantar. Estaria feliz nem que fosse apenas tocando baixo e celebrando minha volta aos palcos. Ao longo do processo de recuperação, a Angela me apresentou Gilberto Chaves. Ele é cantor lírico, fonoaudiólogo e achou que eu poderia voltar a cantar. Partimos para fazer essa recuperação vocal para os shows. Eu já havia feito um tratamento intensivo com as fonoaudiólogas Irene Vartanian e Glaucya Madazio, de reeducação da deglutição e da voz. Quando os ensaios começaram, eu senti que já estava preparado para cantar minhas músicas e encarar todos os backing vocals. A primeira delas foi Cabeça Dinossauro. Costumo dizer que, quando a gravei, lá nos anos 1980, minha ideia era cantá-la com uma voz parecida com a que tenho hoje. Outras canções, como Eu Não Sei Fazer Música, 32 Dentes, Tô Cansado e Flores, por exemplo, ganharam nova dimensão e peso porque trazem a história da minha vida na nova voz. A turnê fez tanto sucesso que repetiremos a dose em novos shows em Miami, Nova York e Lisboa e também em outras cidades brasileiras.
Em junho, tive uma sensação completa de felicidade quando fizemos três shows para 150 000 pessoas no Allianz Parque, em São Paulo. Frequento o estádio desde criança com meu pai, que morreu justamente de um câncer na laringe, em 1985, e de repente, eu estava ali, acompanhado de toda a família, amigos e cantando novamente. Inesquecível.
Sempre achei que, pelo ritmo de vida que eu levava, nunca chegaria aos 61 anos. No entanto, estou aqui. Em 1998, quando estava com 36, fui diagnosticado com um aneurisma da aorta e tive que fazer uma cirurgia cardíaca de emergência. Aquilo foi um aviso claro de que tinha chegado a hora de mudar de vida, e definitivamente larguei o cigarro e me distanciei das drogas. Para o ano que vem, eu, Tony Bellotto e Sérgio Britto seguiremos com novos projetos com os Titãs e shows pelo Brasil. Tenho tocado violão, baixo e continuo vivendo da minha música. Comemoro todos os dias minha vida e minha nova voz.
Branco Mello em depoimento dado a Felipe Branco Cruz
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855