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‘Bolsonaro é refém de si mesmo’, diz humorista famoso por imitar Dilma

Gustavo Mendes falou a VEJA sobre os limites do humor e sobre a confusão em que se envolveu por criticar o presidente atual num show em Minas

Por Diego Andrade, Eduardo F. Filho Atualizado em 5 set 2019, 17h08 - Publicado em 5 set 2019, 16h13

Na última sexta-feira 30, o humorista Gustavo Mendes, conhecido por se caracterizar e imitar a ex-presidente Dilma Rousseff em vídeos no YouTube, se envolveu em uma confusão num show na cidade de Teófilo Otoni, em Minas Gerais. Na ocasião, o comediante apresentava seu espetáculo intitulado De Uma Vez Por Todas e, em certo momento, quando começou a criticar o governo do atual presidente Jair Bolsonaro, uma parte da plateia se incomodou com as piadas de cunho político. Gustavo chegou a discutir com o público e pediu para que se retirassem.

A polícia foi chamada e ele teve de sair da cidade escoltado por seguranças, pois os manifestantes ameaçaram o artista de morte. Para Gustavo, o ato foi “racista” e uma tentativa de “censura” ao seu show incentivada pelas palavras e decisões do presidente. “Ele é um homem que se elegeu com notícias falsas e quer governar com elas. Governar não, quer brincar de presidente, porque ele ainda não governou, não tomou nenhuma medida que de fato acrescentasse algo para nosso país”, diz Gustavo. 

Em entrevista a VEJA, o humorista falou sobre o ocorrido e temas como os limites do humor, suas posições políticas e, claro, sobre o próprio presidente da República. Confira a entrevista a seguir: 

 

Seu show chegou a ser interrompido por um grupo de pessoas favoráveis ao governo Bolsonaro. O que de fato aconteceu? A apresentação estava acontecendo em Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais, e eu não mudo os shows de acordo com a cidade ou com a temática. Sempre monto um show nacional. Não tenho um discurso político partidário, eu tenho um discurso político social. Eu falo sobre racismo, homofobia, machismo, xenofobia. Essa sempre foi a pauta. Mas naquele dia eu senti, desde o início da apresentação, que havia um grupo articulado de extrema direita, racistas por sinal, fascistas. Não era um grupo que se sentia ofendido pelas piadas, mas sim pelo cunho político. Eu sou um cara que faz piada para quem votou no Bolsonaro e para quem não votou nele. Isso para mim é indiferente porque na realidade todos nós queremos um Brasil melhor. 

Ficou mais difícil fazer humor político no Brasil polarizado? Eu acredito que o comediante é sempre a oposição, porque o humor é como um lubrificante social, é um KY social. A gente consegue fazer penetrar ideias mais duras e mais rígidas em mentes mais fechadinhas, mais puritanas. Eu não acho que alguém tem o direito de dizer com o que se pode ou não fazer humor. Eu escolhi fazer humor com o opressor, e não com o oprimido. Nós somos um país em que a expectativa de vida hoje é de 78 anos, e a de uma mulher trans é de 34. Então, como é que eu vou fazer piada com a travesti e com a transsexual? Eu vou fazer piada com o idiota, hipócrita, que não dá emprego, que rejeita, que mata a pessoa por ela ser quem é. 

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Por que você pediu que o público incomodado se retirasse? Não houve uma confusão com o público. É óbvio que, no calor do momento, você fica tentando entender as coisas e ser o mais racional possível para que nada se transforme em agressividade ou numa briga coletiva. Existe uma tentativa disso por parte de grupos de extrema direita. Quando essa turma começou a gritar durante o show “vai fazer show na África”, “eu paguei para você contar piada, não falar de política”, isso me machucou. Eu nunca esperaria do meu público, diante dos posicionamentos claros que eu tenho, anti-racismo, anti-fascismo, anti-homofobia, que alguém fosse tentar ser racista no meu show. A gente sabe que o racismo sempre existiu, mas ele hoje é incentivado e é muito claro. As pessoas perderam o medo e a vergonha de serem racistas, e estão usando isso como bandeira. Tudo isso é muito novo para mim e para qualquer um que tenha o mínimo de humanidade.

Como ficou o ambiente depois da saída desse grupo? A imensa maioria do público continuou no teatro. Eles ficaram tão assustados quanto eu com essa ignorância, com esse racismo tão claro. Devem ter saído umas 30 pessoas. As pessoas que ficaram no teatro precisavam ver o encerramento do show. Eles estavam pagando por aquilo. Eu fiz o show normal, como faço no Brasil inteiro. Não saí do palco, talvez tenha sido até um pouco imprudente da minha parte, mas eu me mantive exposto, de peito aberto, porque sabia que a maioria das pessoas estava comigo. Terminei o show com a plateia me aplaudindo de pé. Foi lindo. 

Você já tinha passado por algo parecido na sua carreira? Houve um acontecimento em Búzios, há alguns anos. Eu estava em praça pública e falei contra o prefeito da cidade. Um capataz da autoridade se sentiu no direito de interromper o show, mas o público não deixou. Ele mostrou uma arma, me ameaçou. E depois disso foi levantado um inquérito contra ele e contra o prefeito. Vários fatos ilícitos foram levantados contra os dois, mas não tinha um viés ideológico, social, como homofobia e racismo, como foi o caso dessa minoria fascista em Teófilo Otoni.

A polícia chegou a ser chamada? Sim, porque quando eu os expulsei do show eles saíram de cabeça baixa. Foi como acontece na internet: em bando, no virtual, eles vociferam, porque estão escondidos atrás de perfis falsos, atrás de robôs e atrás de alguns eventuais líderes políticos que incentivam o tumulto. Mas, quando desmascarados, são covardes e se escondem. Eles criaram um tumulto generalizado no hall do teatro e a polícia precisou intervir. 

Como foi a saída da cidade? A cidade é pequena, eu saí de lá escoltado. Haviam feito ameaças de agressão, ameaças de morte contra mim. E minha equipe de segurança me tirou da cidade. Não fui nem para o hotel pegar minha mala. 

Você disse que escolhe fazer humor sobre os opressores e não sobre os oprimidos. Há humoristas que fazem a escolha oposta?  Os humoristas podem fazer tudo o que quiserem. Sou contra qualquer tipo de cerceamento à liberdade de expressão. Se me perguntarem qual é o limite do humor, eu diria é meu bom senso. Eu sou uma pessoa vinda do interior, da extrema pobreza, e que sabe que as pessoas podem ser mortas e agredidas simplesmente por serem quem são. Então, eu não tenho coragem de dar voz a esse tipo de piada. É muito fácil fazer piada com quem está por baixo. É como chutar cachorro morto. É como jogar uma pá de cal em quem já está deitado no chão. Eu não consigo fazer isso. Eu não tenho essa coragem. Agora, se é permitido fazer? Sim, tudo é permitido. Agora, nos tempos em que estamos vivendo, de ascensão da extrema direita e da intolerância, não me acho no direito de reforçar ideias que começam no riso e terminam na morte. 

Há colegas humoristas que ultrapassam essa linha do bom senso? Claro, existem vários. Nessa ascensão bolsonarista, por exemplo. Ele é o presidente do país, ele governa para todos. Nós torcemos para que o governo dele vá bem. Porém, há pessoas que se utilizaram disso e das curtidas nas redes sociais para obter uma fama imediata, para conseguir se manter seus programas de talk show em evidência. Minha missão, primeiro, é a de fazer rir, gargalhar. E a segunda: fazer pensar. Ainda que discordem de mim, pelo menos que possam refletir sobre o assunto.

Qual é o seu posicionamento político? Sou um homem de esquerda, por um único motivo: eu sou pobre. Apesar de ganhar mais que 98,7% da população, mas não sou dono de um meio de produção. Então eu sou um funcionário, eu sou um pobre que deu sorte. Tenho meu dinheiro, ganho bem, vivo bem, mas sou pobre, e sei que estou sujeito a quem comanda. Que é quem de fato governa tudo. 

O que pensa das medidas do presidente Jair Bolsonaro em relação à arte e à cultura? Acho que ele está sendo mais autoritário do que foram todos os governantes militares. Há mais militares no ministério do que o Geisel tinha, por exemplo. Eu acho que ele é um refém de si mesmo, porque é um ignorante. Ele é um ignorante que foi escolhido por pessoas fortes, pessoas ricas, para que um projeto econômico de direita fosse aprovado. Ele é um homem que se elegeu com notícias falsas e que quer governar com elas. Governar, não: quer brincar de presidente, porque ele ainda não governou, não tomou nenhuma medida que de fato acrescentasse em algo para nosso país. Ele faz um papel de bobo da corte perante toda a comunidade mundial. 

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Depois do ocorrido, você passou a ter receio em fazer críticas ao governo? Não tenho medo nenhum. Sei que a meu lado há um exército gigante que não é feito de robôs e perfis falsos na internet. Esses últimos me dão um pouco de dor de cabeça, às vezes me irritam, mas estou bem amparado psicologicamente. 

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