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Autor de ‘Pátria’: ‘Tive cuidado para não aumentar a dor das vítimas’

Fernando Aramburu fala a VEJA sobre série da HBO e a vida em torno do terror do ETA: ‘Queria escrever livros de humor, mas meu país está cheio de tragédia'

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 set 2020, 17h15 - Publicado em 28 set 2020, 09h54

Ambientado no País Basco, ao longo de três décadas, o livro Pátria se embrenha em um complicado tema: as consequências do terrorismo, causadas pelo grupo extremista ETA, na vida de pessoas comuns. Na trama, que acaba de ganhar uma adaptação pelo canal pago HBO, duas antigas amigas se encontram em lados opostos quando uma delas apoia o filho, integrante do ETA, e a outra sofre pela perda do marido, um empresário assassinado após se recusar a pagar uma taxa cobrada pelos terroristas.

Publicado no Brasil pela editora Intrínseca, Pátria, do autor basco Fernando Aramburu, prende pela habilidade do autor de manejar a jornada de diversos personagens das duas famílias, sem ordem cronológica, e com muito cuidado para não ser maniqueísta. A prosa envolvente ainda oferece pitadas inesperadas de humor, que aliviam a tensão do leitor ao adentrar na realidade do vilarejo cenário da trama, onde os moradores são arrastados e arrasados pela crueldade alheia.

Em entrevista a VEJA, Aramburu fala sobre a experiência que o levou a escrever o livro e a adaptação para a televisão:

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‘Pátria’, de Fernando Aramburu (Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht; 512 páginas; Intrínseca; 64,90 reais e 42,90 reais o e-book) (//Divulgação)

O senhor é de San Sebastián, no país Basco, cenário do livro Pátria. Algo da trama se relaciona com as suas experiências particulares na região? Eu cresci no país Basco, onde passei a infância, adolescência e parte da juventude. No total, foram 25 anos antes de partir para outro país. Foi tempo suficiente para conhecer diversos casos, histórias e episódios particulares e coletivos relacionados ao povo de minha terra natal. Mas para além do que os documentos históricos possam oferecer, na hora de escrever, foi a minha vivência como cidadão que pautou o conteúdo.

Algum personagem ou história específica veio da realidade? Não há relação direta dos meus personagens da ficção com pessoas da vida real. Cada personagem é parte inspirado em diferentes pessoas, parte criação minha. Me amparei bastante em fatos, mas não como um repórter ou um historiador, que se dispõe a fazer entrevistas, pegar relatos e documentos. Meu compromisso é com a criação literária.

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O livro se passa num contexto bastante delicado de divisão de opiniões políticas. Enquanto, ao redor, estão histórias de luto em diferentes pontos de vista. Teve algum receio de ofender a alguém? Tive cuidado para não aumentar a dor das vítimas. Esse é um filtro moral que sempre me imponho.

Esperou que o ETA anunciasse o fim das atividades para poder escrever este livro? Não exatamente. Eu escrevia sobre o ETA e o terrorismo enquanto eles praticavam atentados. Em 2011, o ETA anunciou que não praticaria mais atentados. Assim que fizeram o anúncio, imaginei o início do livro, que depois acabou intitulado como Pátria.

Aos 25 anos se mudou para a Alemanha. A partida do país Basco teve razões políticas? Me mudei porque conheci minha mulher, que é alemã. As razões que me conduziram para fora do meu país, então, foram belas e pessoais.

Apesar de ser um drama, seu livro tem excelentes pitadas de humor. Quais as dificuldades de acrescentar leveza a um tema tão sério? Sou propenso ao humor. Acho que herdei isso do meu pai, um homem que gostava muito de fazer os outros rirem. O caminho natural para mim seria escrever livros bem-humorados, mas a história do meu país está cheia de tragédia. Então senti que eu precisava escrever sobre ela no tom adequado. Mas, claro, a vida não é um constante funeral. Até nos momentos ruins, acontecem situações divertidas e ridículas, que também demandam seu espaço na literatura. É um contrapeso para os infortúnios.

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Fernando Aramburu © Iván Giménez, Tusquets Editores
O escritor basco Fernando Aramburu (Iván Giménez/Divulgação)

Por que preferiu ficar de fora da produção do roteiro para a série da HBO? A série me pareceu de grande qualidade estética e narrativa. Foi feita com esmero em todos os aspectos, além de ter atores excelentes. Preferi não intervir porque não conheço bem o formato cinematográfico e porque já sou bem ocupado com minha literatura.

Vemos hoje em diversos países, como o Brasil, um aumento de movimentos nacionalistas e de extremismo político. Ao crescer em um cenário drástico, causado por essa combinação, como analisa o que acontece no mundo hoje? O tipo de nacionalismo predominante atualmente é o de divisão, quando comparado aos nacionalistas invasores do século XX. Agora, esse movimento busca fundamentalmente reservar uma parcela do planeta denominada nação aos cidadãos que cumprem certo requisito. Em muitos casos, é uma resposta de repulsa à globalização. Levantam muros e fecham fronteiras. Alguns cidadãos acham que suas identidades culturais, idioma e tradições estão em perigo. Assim, acham que se fechando em uma nação, estas identidades estarão a salvo. Para alcançar este objetivo, eles discriminam, expulsam e, nos piores casos, atacam os cidadãos que consideram intrusos.

Qual sua opinião em relação aos pedidos de perdão para os presos do ETA? O pedido de perdão nunca esteve e jamais estará no manual que guia o ETA. Se algum deles pediu perdão às suas vítimas, fez de forma individual.

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