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Ator alemão sobre filmar com Padilha: ‘Eu nem precisava de café’

Daniel Brühl e a inglesa Rosamund Pike estão em ‘7 Dias em Entebbe’, dirigido pelo brasileiro

Por Mariane Morisawa, de Berlim
Atualizado em 19 abr 2018, 11h59 - Publicado em 19 abr 2018, 11h36

Em sua nova produção internacional, José Padilha continua a trajetória de lidar com temas complicados. Em 7 Dias em Entebbe, apresentado fora de competição no Festival de Berlim, ele trata do sequestro de um avião da Air France em 1976 por membros da Frente Popular pela Libertação da Palestina – Operações Externas (uma dissidência mais radical da organização principal) e dois integrantes das Células Revolucionárias, um grupo marxista que promoveu ações violentas. O voo da rota entre Tel Aviv e Paris, com 248 passageiros, muito deles judeus, foi desviado para Entebbe, em Uganda, então governado pelo ditador Idi Amin.

O filme mostra o sequestro pela perspectiva dos dois alemães, Wilfried Böse (o hispano-alemão Daniel Brühl) e Brigitte Kuhlmann (a inglesa Rosamund Pike), com o engenheiro de voo Jacques Le Moine (Denis Ménochet) servindo como porta-voz dos reféns, e o embate no gabinete do governo de Israel entre o primeiro-ministro Itzhak Rabin (Lior Ashkenazi) e o ministro da Defesa Shimon Peres (Eddie Marsan) em relação ao uso de uma solução militar. Brühl e Rosamund falaram com o site da VEJA:

 

Foi difícil aprender alemão?
Rosamund –
Foi. Foi uma proposta maluca do José. Ele faz muitas propostas malucas, esta foi uma delas.

O que te convenceu ser capaz de aprender alemão?
Rosamund
– Não sei! Achei que ia ser difícil para Daniel. Porque ele ia pensar que não tinha como oferecer uma boa atuação se eu estivesse tentando falar alemão. Mas ele me apoiou muito.

Daniel – Nós nos conhecemos aqui em Berlim pela primeira vez. Tenho de confessar que no início eu estava meio cético. Nós, atores, sempre dizemos poder fazer tudo: andar a cavalo, esquiar, falar alemão e japonês. Então quando ouvi que Rosamund disse que podia falar alemão, pensei: Tá bom. Vai ser complicado! Mas, de verdade, ela disse uma frase quando nos encontramos em Berlim e percebi que era possível. E foi ainda mais fácil quando rodamos, porque filmamos duas versões, em alemão e em inglês, uma em seguida da outra, para ter segurança. Fiquei feliz que Rosamund concordou em fazer em alemão porque parecia mais forte.

Rosamund – Sim, porque formou essa conexão, tínhamos essa língua em comum, uma sensação de lar no meio dessa loucura. Havia algo mais pé no chão com as discussões em alemão. Fora que podiam ser conversas mais privadas, mais secretas. E assim que a decisão de usar a versão em alemão foi feita, isso abriu espaço para que se falasse hebraico, francês, árabe, o que foi interessante. Mas foi uma proposta maluca. E empolgante. E bacana. E engraçada, porque estava tendo essas discussões políticas complexas em alemão, quando na verdade sou incapaz de perguntar onde fica o ponto de ônibus em alemão.

Que tipo de proposta maluca o Padilha fez?
Daniel
– Todo dia tinha uma surpresa.

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Rosamund – Sim. Uma vez ele me disse que numa cena em que todo o mundo estava discutindo, eu devia pegar a arma e fazer algo surpreendente. E eu: Ok, José, eu faço. Esse é só um exemplo.

Daniel – E Lula (Carvalho), seu diretor de fotografia, sempre tinha de se adaptar à energia incessante que José tem. Isso sempre nos despertou. Normalmente eu me sinto sonolento pela manhã, mas eu nem precisava de café. Só precisava de José na minha frente. Porque não dá para saber o que vai acontecer. E gostamos muito desse jeito imprevisível de filmar, meio ao estilo de guerrilha.

Normalmente eu me sinto sonolento pela manhã, mas eu nem precisava de café. Só precisava de José na minha frente. Porque não dá para saber o que vai acontecer. E gostamos muito desse jeito imprevisível de filmar, meio ao estilo de guerrilha.

Daniel Brühl sobre o filme ‘7 Dias em Entebbe’

Vocês conheciam o trabalho do Padilha?
Rosamund
– Eu tinha visto o documentário Garapa. Achei que ele tinha estado em território parecido com o de 7 Dias em Entebbe. Sabia de sua história como cientista antes de ser cineasta. Mas minha pergunta a qualquer cineasta hoje em dia é: “Este é apenas mais um trabalho ou ele ou ela precisa fazer esse filme?”. Antes eu fazia de tudo. Hoje em dia preciso saber se é uma necessidade ou apenas um trabalho. E sua resposta me satisfez que este era um projeto que ele precisava fazer. Mas eu nunca achei que eu ia fazer. No fim deu certo.

Daniel – Eu o descobri no Festival de Berlim, com Tropa de Elite. E ele disse que me descobriu em Adeus, Lênin, que também passou no Festival de Berlim. Então é legal termos estado no Festival de Berlim!

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Por que quiseram interpretar esses personagens tão difíceis? Eles são heróis?
Rosamund
– Não os veria como heróis.

Daniel – Não, não. Num projeto desses é preciso ser cauteloso. É preciso ler o roteiro e ter certeza de que é um projeto que você aprova, saber quem está envolvido. A conversa inicial que tive com José foi muito positiva, porque imediatamente vi que era um cara realmente interessado em política e história. O papo durou mais de uma hora, e terminamos falando até da política alemã atual. Ele é um cara que se preocupa, que tenta ter conhecimento. Não é um diretor de filmes de ação interessado em fazer uma produção bacana passada nos anos 1970. Isso tudo me fez me sentir confiante. Sendo alemão, este período é muito importante na nossa história, e queria explorar.

Este conflito entre israelenses e palestinos é bastante complexo. Não tiveram medo de que achassem que vocês estavam tomando partido de um dos lados?
Rosamund
– Eu queria fazer um filme provocador. Acho interessante quando as pessoas se ofendem com este filme, para mim tem a ver com a maneira como assistem. Não acho que o filme ofenda ninguém. Acho que tem a ver com sua visão preestabelecida. Alguém perguntou o que achávamos de o filme ser todo a partir da perspectiva dos terroristas. E este não é o filme que vimos. Mas é interessante saber que para aquela pessoa tinha sido assim. Para mim isso só mostra como se trata de um filme instigante, porque provoca reações fortes. Mas não acho que o filme está de um lado, ele apenas mostra mecanismos complexos.

Não acho que o filme ofenda ninguém. Acho que tem a ver com sua visão preestabelecida. Alguém perguntou o que achávamos de o filme ser todo a partir da perspectiva dos terroristas. E este não é o filme que vimos.

Rosamund Pike sobre o filme ‘7 Dias em Entebbe’

Mas não tiveram medo antes de dizer sim?
Daniel
– Fiquei receoso quando soube do projeto, sim. Tinha curiosidade de como iam fazer. Mas quando li o roteiro achei que era uma maneira interessante de fazer, que era uma versão dessa história da qual gostaria de participar, por causa dessa perspectiva múltipla, porque diferentes vozes são ouvidas. Não é um retrato em preto e branco do que aconteceu. E para mim também não era tanto sobre a operação militar, que é apenas uma moldura. Achei interessante ver todos esses grupos em conflito, incluindo Idi Amin. Foi uma maneira interessante para mostrar o que estava em jogo naquela época. Por exemplo, a juventude alemã se opondo a seu país, e mesmo vinda de uma burguesia, com segurança, estar disposta a se radicalizar tanto e fazer uma missão dessas. E também ouvir a perspectiva dos terroristas palestinos. Alguém nos perguntou se temíamos humanizá-los demasiadamente, e eu discordo. Não tenho nenhuma simpatia por seus atos, mas tenho interesse em saber por que fizeram aquilo. E isso nos faz compreender o que está acontecendo agora.

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Para você, Rosamund, não foi complicado compreender também este cenário histórico alemão?
Rosamund
– Sem dúvida. Cheguei a mencionar que devia haver muitas atrizes alemãs de cabelos e olhos castanhos capazes de fazer o papel.

Daniel – Mas o alemão delas não era tão bom (risos).

Rosamund – Eu conversei com uma acadêmica em Cambridge que está escrevendo um PhD sobre as revolucionárias alemãs, e ela se mostrou muito cética quanto à minha habilidade de fazer o papel. Mas este é o tipo de desafio que preciso! Acho que acabei pesquisando ainda mais. A única desvantagem que senti foi que passaram textos interessantes em alemão que eu era incapaz de ler. Eram entrevistas, certo?

Daniel – Sim, entrevistas e cópias raras dos documentos encontrados nas Células Revolucionárias, coisas impossíveis de achar nas livrarias. E entrevistas longas feitas na América do Sul com o namorado de Brigitte.

Rosamund – Mas foi bem interessante entender uma cultura diferente. Foi um privilégio entender a mente de um jovem alemão naquela época. Acho que compreendi pela primeira vez.

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Porque é fácil desprezar o movimento e dizer que era ingênuo hoje, mas é preciso entender o que se passava na época, não?
Daniel
– Sim. De novo, não estou aqui para defender ações violentas ou extremismo porque o terrorismo ainda é um assunto fundamental hoje. Mas há muitas diferenças entre terrorismo hoje e na época, com motivações e ideais diversos. Para mim era interessante entender sem defendê-lo. E eu consegui entender.

Estamos aqui no meio desse debate sobre #MeToo e o movimento Time’s Up. Acha que os símbolos são importantes – como vestir roupas pretas no tapete vermelho?
Rosamund
– Acho que os símbolos fazem lembrar das questões maiores e essenciais. Vestir preto foi uma maneira fácil de chamar a atenção. Se terminasse ali, não adiantaria nada. É preciso ir além. Houve um acordo entre o Bafta, o British Film Institute e outras 40 organizações sobre oito princípios de conduta a serem seguidos num set de filmagem. Se uma produção não aceitar esses princípios, não vai conseguir financiamento. Ao mesmo tempo, há um fundo pela igualdade, apoiado por muitos atores, para ajudar mulheres que sofreram com o abuso de poder em todos os setores, não apenas o audiovisual. A indústria cinematográfica está atraindo atenção para a questão, mas também não está fazendo só para si, quer ajudar outros setores.

Daniel – A indústria está usando a atenção que recebe, o que acho correto. Mas também penso que é preciso ter cuidado e ter certeza das coisas. Claro que apoio totalmente os movimentos e espero que espalhem para o resto da sociedade.

Rosamund – Sei que nos meus próximos trabalhos, sendo uma atriz mais experiente, vou ficar de olho nas atrizes mais jovens, para saber se está indo tudo bem. Meu primeiro filme foi da série 007, que poderia ter sido um campo minado de abuso de poder. E vejo quanto a produtora Barbara Broccoli se certificou de estabelecer um set não-machista, ainda mais considerando quem é o personagem em si! Eu tinha 22 anos, cercada por pessoas muito mais velhas e experientes. Poderia ser um desastre, mas não foi!

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Estamos discutindo banir pessoas da indústria…
Rosamund
– Sim, pessoas que fizeram grandes obras de arte.

Sim, tem isso e também pessoas que foram acusadas sem muitas provas. Qual o limite?
Daniel
– Por isso é preciso ter cuidado com acusações. É um problema porque a mídia e as redes sociais são muito rápidas. Não podemos colocar um suspeito junto com outro já julgado culpado. Todos temos de ser muito responsáveis e cuidadosos.

 

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